Geradoras de produtos de alto valor agregado, as biorrefinarias entram no radar das usinas

Por Delcy Mac Cruz

Elas produzem biocombustíveis e químicos renováveis e promovem a bioeconomia, que é limpa em emissões e descarta resíduos inúteis

Créditos de imagem: JComp/Freepik

As biorrefinarias ganham cada vez mais espaço no planejamento de novos produtos do setor sucroenergético. Isso porque empregam fontes de biomassa para gerar produtos de alto valor agregado, caso de insumos químicos.

Outro saldo bem positivo: essas unidades industriais reforçam a bioeconomia, que, entre outros exemplos, reduzem as emissões de poluentes e descartam resíduos inúteis.

Para entender mais sobre o tema, entrevistamos o especialista e engenheiro químico Jaime Finguerut.

Ele é diretor do Instituto de Tecnologia Canavieira (ITC)  e trabalhou durante 37 anos no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC)

Créditos de imagem: Divulgação especialista e engenheiro químico Jaime Finguerut

O que são biorrefinarias?

Jaime Finguerut - Em uma definição simples, biorrefinarias são unidades industriais, em geral de médio a grande porte, que convertem produtos orgânicos, em geral biomassas, produtos agrícolas ou seus resíduos, em produtos de maior valor como biocombustíveis ou produtos químicos que substituem aqueles correspondentes produzidos do petróleo nas refinarias. Vem daí o termo bio-refinaria.

 

De forma geral, como está hoje a implantação de biorrefinarias no país?

Jaime Finguerut - O assunto biorrefinaria, se considerarmos esta definição ampla, está em pauta no Brasil. Só ver os anúncios das diversas novas plantas de processamento de milho em diversos locais do país para fazer etanol e rações, as novas instalações de biogás e biometano usando resíduos agrícolas e animais, bem como a colocada em marcha de uma nova planta da Amyris em Barra Bonita (SP) para fazer produtos por fermentação, de altíssimo valor, em conjunto com outras plantas com a firma DSM.

Há também a comercialização de diversos novos produtos alimentícios que substituem a proteína animal, usando vegetais. Isso sem falar das gigantescas novas plantas de celulose e papel consolidando a posição de liderança do país nesta área.

O país ainda agrega valor a culturas exóticas como açaí, guaraná, mate em bebidas e alimentos funcionais.

Temos o biodiesel anexo às unidades de processamento de oleaginosas e de carne com grande integração horizontal.

Tudo isso pode ser considerado como Biorrefinarias e o seu conjunto considerado como a Bioeconomia, em oposição à economia tradicional, digamos causadora de emissões e resíduos inúteis como plástico e embalagens não recicláveis ou não recicladas.

 

O setor sucroenergético deve ter as biorrefinarias no radar? Por quê?

Jaime Finguerut - Sim, deve sim. Repito o exemplo de usar o milho como matéria-prima para aumentar significativamente a produção de etanol e rações e, em conjunto e em sinergia   com o processamento de cana, tornar o negócio de ambas as matérias-primas mais lucrativo e sustentável.

A inclusão de outras matérias-primas e outros produtos integrados ao negócio de cana torna a produção mais robusta e menos sujeita à volatilidades de mercados de commodities. Cito ainda o exemplo da produção de etanol celulósico (E2G) também de forma sinérgica ao processamento da cana, permitindo agregar muito valor ao etanol, que pode ser vendido com prêmios de sustentabilidade muito significativos, inclusive podendo ser comercializado como especialidade ou como matéria-prima para conversão em produtos (como plásticos e embalagens) realmente "verdes"

 

Onde estão as fontes de financiamento para tais unidades industriais?

Jaime Finguerut - Realmente este é um gargalo significativo pois as Biorrefinarias só são viáveis a partir de um certo porte onde os bioprodutos de fato concorrem com os produtos fósseis ou atingem um mínimo de produção que permite a sua distribuição ampla.

Há, no entanto, investidores nacionais e internacionais com critérios ambientais (ESG) bem como novas fontes de financiamento, as assim chamadas "green bonds" ou CRA verdes que reconhecem e incentivam o impacto ambiental positivo da Biorrefinaria anexa à produção agrícola.

Também com a evolução de um Mercado de Carbono voluntário e regulado haverá o pagamento das menores emissões relacionadas à substituição dos fósseis.

A abertura do capital com forte apelo ESG é outra possibilidade concreta.

 

Como funciona uma unidade dessas?

Jaime Finguerut - A Biorrefinaria, anexa à uma planta já existente de processamento de biomassa (cana,milho, carne,soja, etc.), tem grande sinergia, por exemplo usando os mesmos sistemas energéticos (caldeiras, co-geração) além de ter acesso à biomassa combustível (bagaço, palha, cavaco, etc) sem as emissões dos fósseis, com redução de custos e de emissões.

Porém, é necessária uma avaliação muito criteriosa dos produtos a serem fabricados bem como garantir o uso integral de todos os resíduos.

Já dei três exemplos muito concretos, a integração do milho e cana (com a geração e uso das frações protéicas e oleosas da semente na produção de proteína animal, com reciclo de todos resíduos para a lavoura de cana), o etanol celulósico (de bagaço ou palha ou qualquer resíduo agrícola)  e a geração de biogás e biometano anexa à Usina de processamento de biomassa (cana, milho, etc).

 

Os ganhos ambientais de uma unidade dessa certamente são

um atrativo para consumidores notadamente poluentes. Mas também esses convivem com altos custos de produção.

Jaime Finguerut - Sim, enfrentamos ainda a disrupção de muitas cadeias de fornecimento, primeiro devido à pandemia e depois pela guerra na Europa, o que levou à volatilidade de muitos preços e até mesmo a indisponibilidade de alguns insumos.

O Brasil também é um grande importador líquido de produtos químicos, pelo simples fato dos produtos de fora serem mais baratos do que se fossem fabricados aqui.

Com o aumento geral de custos internacionais, essa situação pode mudar. Também a biomassa, como matéria-prima, pode levar a produtos já "funcionalizados" ou seja contendo oxigênio na sua composição com menores emissões e propriedades especiais.

 

E a tecnologia para implantar essas unidades?

Jaime Finguerut - A tecnologia para a esta produção está disponível, porém com parceiros externos e provavelmente com financiamento externo também.

 

As biorrefinarias podem ser a nova fronteira econômica do setor sucroenergético?

Jaime Finguerut - As Biorrefinarias são cadeias de produção mais longas, gerando muito mais empregos e riqueza no interior do país e com a circularidade e sustentabilidade que estão na sua essência.

Um novo conceito de produção industrial mais distribuída (ao invés de concentrada na China) é o que permite a Biorrefinaria, porém, decerto, é necessário priorizar a nossa capacidade de receber investimentos externos e internos, ou seja estabilidade institucional e jurídica, reforma tributária, maior acesso à financiamento de risco, aumento dramático na qualificação da nossa mão-de-obra,redução de custos logísticos, melhoria na nossa reputação (melhor ambiente de negócios) e outros obstáculos consideráveis.