Renováveis fortalecem o Brasil diante cenário de descumprimento das metas de descarbonização

Por Delcy MAC Cruz

Enquanto nações devem ampliar uso do poluente carvão, os brasileiros usam os limpos biocombustíveis e energia de fontes solar, eólica e hídrica

A atual crise energética, que afeta principalmente países dependentes de gás natural da Rússia, acende a luz amarela em plena campanha mundial de descarbonização. 

Os mais de 100 países que assinaram o Acordo de Paris, em 2015, se comprometeram em estabilizar o aquecimento global em 1,5°C.

Para tanto, eles precisam reduzir o pico de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) em 43% em 2030 ante os níveis de 2019.

Em resumo, as emissões de GEEs têm de ser podadas. No caso do metano, um dos formadores desses gases, o corte precisa ser de 34% até daqui a oito anos.

As metas de descarbonização prosseguem e países como a Alemanha anunciaram no dia 06 deste mês de abril (confira aqui) a atualização de sua política energética. Ela determina que 80% da eletricidade consumida terá de vir de fontes renováveis até 2030.

O comprometimento do governo alemão atesta que o País segue firme com o Acordo de Paris. Mas tem um porém: governos pelo mundo afora planejam ampliar o uso de carvão durante a atual crise.

Trata-se de uma estratégia para garantir o suprimento energético diante, por exemplo, da escassez da oferta do já muito caro gás natural. Certo, mas em termos de descarbonização é como engatar o marcha a ré.

Isso porque a mineração do carvão libera o gás metano aprisionado nos estratos rochosos, o que se junta ao impacto das emissões de dióxido de carbono (CO2) decorrentes da queima.

Ou seja: combater as emissões de carbono e de metano é fundamental para limitar o aquecimento mundial comprometido pelo Acordo de Paris.

Em termos comparativos mundiais, as minas de carvão emitiram 52,3 milhões de toneladas de metano em 2021, relata o Global Energy Monitor (GEM), organização não governamental focada em projetos de combustíveis fósseis e renováveis.

No mesmo ano, as emissões decorrentes do uso de gás foram de 45 milhões de toneladas, e as de petróleo somaram 39 milhões de toneladas.

Por aí dá para notar o estrago que o maior emprego de carvão fará para a campanha de descarbonização.

Não é só: países da União Europeia nem discutem mais se vão ou não usar carvão. Avaliam de onde virá essa fonte de geração de energia, uma vez que até na quinta-feira (07/04) avaliava-se sanção para vetar a importação de carvão sintético russo.

Mas nem tudo está perdido.

A meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C  acima dos níveis pré-industriais ainda é possível, conforme o mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC).

No caso do Brasil, os documentos do IPCC já destacam anteriormente que a Amazônia já foi severamente atingida por secas e altas temperaturas nos anos de 1998, 2005, 2010 e 2015/2016, que causaram grande mortandade de árvores.

A combinação com desmatamento e as queimadas deve comprometer ainda mais a absorção de carbono e ameaça o regime de chuvas na América do Sul.

O IPCC destaca, também, que os gases de efeito estufa em todo o mundo são gerados principalmente pela queima de combustíveis fósseis para gerar energia e, assim, o relatório aponta a importância de um sistema global alimentado por energias limpas e renováveis.

O alerta vale para todos países, mas o Brasil, em especial, dá um passo positivo à frente.

Tome o caso da carga (soma do consumo de energia com as perdas na rede). As renováveis respondem por 94% do total, sendo que a hidráulica (usinas hidrelétricas) fica com a fatia de 77,7% do registro da tarde de 07/04 do Operador Nacional do Sistema (ONS).

Neste mesmo registro, a energia térmica – que pode usar os poluentes óleo e diesel como fontes – representa 6% do total.

Estes percentuais podem ter variações, mas, em média, 90% da carga de energia brasileira é de fontes limpas.

Como é distribuída a carga de energia no País

(07/04/22)

Fonte: ONS

Biocombustíveis avançam

Não é só.

No caso dos combustíveis utilizados no Brasil, os derivados de petróleo lideram, o que é uma tradição para esses produtos que, na média, podem emitir até 70% mais gases de efeito estufa que os biocombustíveis.

Dos 139,5 bilhões de litros comercializados em 2021 no País, as vendas de gasolina somaram 39,3 bilhões de litros (28,2% do total), enquanto as de óleo diesel foram de 62,11 bilhões (44,5%), segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Mas aí entram os biocombustíveis.

É preciso lembrar que cada litro de gasolina leva 27% de etanol anidro, ou 10,6 bilhões de litros do total do derivado do petróleo. E o diesel contém 10% de biodiesel (6,2 bilhões de litros).

Já no caso do etanol hidratado (veículos flex), as vendas em 2021 chegaram a 16,79 bilhões de litros (12% do total vendido).

Sendo assim, somadas as vendas de biocombustíveis em 2021 totalizaram direta e indiretamente 33,59 bilhões de litros, ou 24% dos combustíveis vendidos pelas distribuidoras.

Ganhos ambientais

Também por isso, o governo federal aposta em biocombustíveis como opção ao petróleo, disse ao jornal Valor Pietro Mendes, secretário-adjunto da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia.

Fazem parte dessa aposta os ganhos que os biocombustíveis permitem com a redução de importações de gasolina e mesmo de diesel, uma vez que etanol e biodiesel são produzidos em território nacional.

Além disso, há os ganhos ambientais proporcionados pelos biocombustíveis.

Em 2021, destaca Mendes, a utilização dessas renováveis evitou 24,4 milhões de toneladas de gases de efeito estufa. “Para 2022, a expectativa é superar 36 milhões de toneladas”, disse.

Vale lembrar que o Brasil gerou emissões brutas 2,16 bilhões de toneladas de carbono equivalente (GtCO2e) em 2020, aponta sistema do Observatório do Clima.

Sendo assim, a redução de gases proporcionada pelos renováveis equivale a pouco mais de 1%, o que pode parecer pouco, uma vez que o peso das emissões brasileiras está concentrada principalmente no desmatamento.

Mas, como projeta o secretário do MME, a participação dos biocombustíveis e da eletricidade de fontes limpas na descarbonização tende a crescer ano a ano.

Desta forma, ajudará o Brasil a manter sua meta de descarbonização sem que precise recorrer a fontes poluentes como o carvão para garantir a oferta interna de energia.

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