Agave se junta à cana e ao milho como matéria-prima de produção de etanol
Por Delcy Mac Cruz
Planta típica do semiárido tem potencial para 30 bilhões de litros por ano, segundo projeções iniciais
A produção em escala de etanol ganha nova matéria-prima depois da cana-de-açúcar e do milho. Trata-se do agave, planta típica de regiões semiáridas.
Hoje, a produção em escala industrial do biocombustível está centralizada na cana. Até a primeira quinzena de novembro, ela permitiu a fabricação de 27 bilhões de litros na região Centro-Sul do país, segundo levantamento da UNICA, entidade representativa do setor.
Já o milho é a segunda maior fonte de produção com 2,6 bilhões de litros até 15 de novembro, conforme a entidade. Neste caso, as plantas produtoras estão, em sua maioria, localizadas no Mato Grosso e em Goiás.
Em termos produtivos, o agave pode permitir uma fabricação de 30 bilhões de litros anuais, conforme as projeções iniciais.
Mas tão importante quanto a produção, essa planta chega como base de uma nova cadeia industrial no setor de biocombustíveis brasileiro.
Antes de seguir adiante, vale destacar informações sobre o agave:
Origem: México
O que é: Planta do tipo suculenta muito usada como adoçante e erva medicinal (para tratar problemas de digestão e possíveis lesões).
Açúcar: Funciona como substituta saudável do adoçante refinado por conter néctar que pode ser empregado em diferentes receitas.
Como é utilizado: No México, utiliza-se para produção de tequila. A pinha, parte central da planta, fornece o sumo doce depois transformado em álcool.
No Brasil: Cultivar é adaptado ao clima semiárido no Sertão Brasileiro.
Como é empregado no Brasil: As folhas viram sisal, fibra natural utilizada na produção de cordas, cestarias e tapetes.
Área: O cultivo do sisal no semiárido se estendia em 2010 por 75 municípios, com propriedades de pequeno porte (de 1 a 15 hectares), em área total de 290 mil hectares (leia mais aqui).
Potencial produtivo da cana
Enfim, o agave entra pra valer no radar do setor sucroenergético. Isso porque tem potencial produtivo semelhante ao da cana-de-açúcar.
Em tempo: a chegada da planta como fonte sucroenergética não é bem novidade.
Há anos o pesquisador e professor da Unicamp Gonçalo Pereira reitera os potenciais do agave, que ele apelidou de cana do Sertão.
Coordenador do Laboratório de Genômica e Bioenergia da Unicamp, ele também se tornou coordenador técnico de programa criado justamente para o desenvolvimento do agave como uma nova fonte de biomassa produtiva.
É o BRAVE (Brazilian Agave Development), lançado em novembro por meio de parceria entre a Unicamp e a Shell Brasil (leia mais aqui).
Com investimento da ordem de R$ 30 milhões, o programa é financiado pela companhia de origem holandesa, usando recursos oriundos da cláusula de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Mais sobre o BRAVE
Crédito: Shell/Divulgação
Com duração prevista de 5 anos, o programa está alinhado à estratégia global da Shell, cujo pilar central é alcançar emissões líquidas zero até 2050.
A iniciativa faz parte parte do portfólio de projetos de Tecnologias de Baixo Carbono da Shell Brasil, sob gerência de Alexandre Breda, e que tem Marcelo Medeiros na coordenação das atividades.
Por meio do programa, serão desenvolvidas tecnologias para formar a base de uma nova cadeia industrial no país.
O desenvolvimento do BRAVE contempla, por exemplo, soluções biológicas para a melhoria da produtividade, adaptabilidade e resistência do agave.
Além disso, permitirá a criação (inédita no mundo) de equipamentos para plantio e colheita do cultivar.
Por fim, a parceria prevê a construção de plantas-piloto de processamento e refino da biomassa a serem instaladas na Bahia, convertendo o agave em biocombustíveis e outros produtos renováveis, como etanol de primeira e de segunda geração e biogás.
Biorrevolução
“O BRAVE é uma biorrevolução para o sertão: desenvolvimento de uma cadeia de valor baseada em agave, plantas de altíssima produtividade em zona de semiárido, que se tornará ainda mais comum com as mudanças climáticas”, destaca Gonçalo Pereira.
Segundo ele, dá para fazer tudo o que já é feito com a cana e muito mais.
E isso tudo não só com baixas emissões de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono (CO2), mas com a possibilidade de captura líquida. Ou seja, ser carbono negativo.
No caso, este resultado se dá porque o agave exige menos fertilizante e agroquímicos ante a cana e, assim, menor presença de tratores e de outros equipamentos geralmente movidos ao poluente óleo diesel. Além disso, as áreas do Sertão têm grande capacidade de reter carbono no solo, que pode ser feito a partir da conversão.
No tocante à produção de biocombustível, a principal característica do agave é a capacidade de gerar grandes quantidades de biomassa mesmo em locais com baixa incidência de chuva.
Para se ter ideia, a cana exige incidências pluviométricas principalmente nos meses de crescimento, entre novembro e fevereiro na região Centro-Sul.
A ilustração abaixo demonstra a resistência do agave em área na Bahia.
A falta de chuva afetou a plantação de milho, enquanto a do agave seguiu firme.
Crédito: Divulgação
Experiência sucroenergética favorece o Brasil
Já em termos comparativos, no México há plantas de agave que chegam a pesar mais de 400 quilos.
Aliás, o México e outros países, como a Austrália, também pesquisam o agave como fonte de biocombustível, mas têm se concentrado na produção de bebidas alcoólicas, como a Tequila, que possuem maior preço por litro, mas menor valor para o esforço de descarbonização da humanidade.
Assim, o Brasil sai na frente porque tem experiência de sobra com sua indústria canavieira e domínio com a produção alcooleira.
Como diferença marcante com relação à cana, que leva 12 meses até estar pronta para o corte, o agave exige entre 3 e 5 anos. Mas após isso, ele pode render mais de 500 toneladas de biomassa por hectare, o que permitiria a produção anualizada de cerca de 7.500 litros por hectare, conforme estudo feito na Austrália.
Potencial produtivo de etanol de agave x etanol de cana:
Fonte: Science Direct, XIAOYU Yan, KENDALL R.Corbin, RACHEL A. Burton, Daniel K.Y.Tand; Journal of Cleaner Prodution, Volume 261, 10 Julho 2020.
Mais etanol com menos área
Se essa projeção ocorrer no Brasil, caso haja 3,3 milhões de hectares com agave, ele permitirá uma produção anual de 30 bilhões de litros de etanol de primeira e de segunda geração, que é a produção atual deste biocombustível no Brasil.
Para obter essa produção, hoje a cana ocupa cerca de 4,5 milhões de hectares concentrados no sudeste e centro oeste brasileiro e concorrendo com outras culturas.
Ou seja: a produção é a mesma, só que com 1,2 milhão de hectares a menos.
Enfim, no Sertão existiriam cerca de 85 milhões de hectares com potencial para a produção de agave, que na sua maior parte possui atividade agropecuária instável e de baixa produtividade como consequência das limitações de clima e solo.