Agro ajuda o Brasil a avançar no mercado voluntário de carbono

por Delcy Mac Cruz

Foi dada a largada para a criação do mercado brasileiro de carbono, tema que avança na pauta global da descarbonização mesmo diante das incertezas econômicas. 

Em 19 de maio o governo federal publicou o Decreto 11.075, que cria a Política Nacional sobre Mudança do Clima e fornece as bases para um futuro sistema de carbono. 

A estruturação desse mercado é debatida há 13 anos, segundo especialistas, e interessa muito para setores de proteção de florestas e o agronegócio, cujo processo produtivo fixa carbono no solo. 

Para se ter ideia, o Ministério do Meio Ambiente avalia haver 280 milhões de hectares de vegetação nativa em propriedades rurais. 

Tirando os ganhos ambientais proporcionados por esses hectares, ele também renderão ativos financeiros. Basta levar em conta que o país pode gerar de US$ 20 bilhões a US$ 100 bilhões em créditos de carbono, conforme projeção da McKinsey.

Longa jornada até entrar em vigor

Os montantes financeiros da estimativa chamam a atenção, mas ela apenas será transformada em prática com a oficialização do mercado de carbono. E, até lá, tem todo um cronograma a ser seguido. 

O decreto do governo, por exemplo, não estabelece metas de redução de emissões, mas sugere que setores poderão apresentar suas estratégias e curvas de descarbonização em planos a serem aprovados pelo anunciado Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. 

Daí, quem for selecionado terá 180 dias para propor as trajetórias de descarbonização. Esse prazo poderá ser estendido por mais 180 dias. Ou seja, só aí vai um ano. 

Parece muito tempo, mas é de convir que se trata de prazo compreensível diante a complexidade do tema e de sua oficialização.

Entretanto, enquanto o mercado cativo é discutido, tem outro, o  mercado voluntário de carbono, que avança e de forma bem rápida no País. 

Mercado voluntário?

Em linhas gerais, é uma alternativa atrativa para companhias que buscam reduzir as emissões de gases do efeito estufa, os GEEs, antes que a legislação as obrigue a fazê-lo. 

Nesse mercado, no qual compra-se créditos para compensar emissões, o número de projetos ainda é pequeno. 

Veja o caso do Brasil, que em 2021 registrou 159 projetos voluntários, segundo o estudo Mercado de Carbono Voluntário no Brasil, do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para efeitos de comparação, também no ano passado EUA e Índia tinham cada um mais de mil projetos registrados.  

Participação do agro

É preciso lembrar que um projeto desses não é simples: exige identificação da metodologia a ser usada, elaboração do projeto gerador, validação e monitoração por auditoria autorizada e certificação dos créditos gerados.

Vale destacar também que cada crédito equivale a uma tonelada de dióxido de carbono (CO2). 

E é aí que entra o agronegócio. 

No estudo, o Observatório de Bioeconomia destaca que apesar de o mercado brasileiro ser dominado por projetos de energia (63%), os de agricultura, floresta e outros usos da terra (AFOLU, na sigla em inglês) somam uma fatia de 25%. 

Essa participação no bolo tende a crescer. Um indicativo dessa tendência, conforme o estudo, é que entre 2020 e 2021 a participação de créditos gerados pelos projetos da agricultura e floresta chegam a 81% do total, contra 24% dos projetos de energia. 

Significa, assim, que mesmo em menor número os projetos voluntários de carbono que incluem o agro geram mais créditos. 

Então está tudo voando em céu de brigadeiro?

Não, existem desafios. Basta ver o caso dos alimentos. 

“O Brasil é locomotiva alimentar mundial, mas, para isso, usa combustível para produzir e a maioria dele é fóssil. O País tem o desafio de reduzir isso [por conta das emissões de carbono]”, disse Rafael Zafala Gomes Del Campo, representante da FAO no Brasil, em sua participação em painel do Agribusiness Summit, evento online da Fenasucro & Agrocana promovido nos dias 7 e 8 de junho.

Fora a questão dos combustíveis, há, também, a relacionada à produção sustentável. 

Mas, neste caso, Marcos Landell, diretor e pesquisador científico do IAC, tem a resposta: “a sustentabilidade vem muito da produtividade e ao longo dos anos investimos na verticalização e, com isso, usamos hoje apenas 8% da área agricultável para produzir 20% das necessidades mundiais de alimentos”, disse no mesmo evento.

Os créditos do etanol

Produção sustentável e de baixas emissões ocorre também com o programa de Estado RenovaBio, que incentiva o uso de biocombustíveis para reduzir as emissões de carbono. 

Nele, a usina de cana-de-açúcar certificada de forma voluntária gera créditos, chamados de CBIOs, a cada volume de etanol produzido. 

Para chegar a essa geração de créditos é preciso todo um processo, mas, em média, cada 1 mil litros de etanol permite a emissão de um crédito. 

Pois bem. O RenovaBio integra os compradores obrigados, que são as distribuidoras de combustíveis, mas também está aberto à parte não obrigada, que são empresas que queiram compensar suas emissões. 

Para esta fatia de clientes está prevista em 2022 a oferta de 118 mil CBIOs, relata em artigo no site EPBR Pietro Mendes, secretário-adjunto do Ministério de Minas e Energia (MME). 

São 118 mil toneladas de carbono a menos na atmosfera que, juntamente com os créditos de projetos de carbono voluntário, consolidam um mercado crescente enquanto o mercado oficial está em fase de formatação. 

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