Clientes fazem fila por combustível sustentável de aviação brasileiro

Demanda é mundial, afirma especialista em SAF, que pode ser produzido a partir do etanol e do biodiesel

Crédito de imagem: Divulgação

Os primeiros litros de Combustível Sustentável de Aviação (SAF) produzidos no Brasil são esperados a partir de 2025. Mas se a fabricação estivesse disponível hoje, haveria cliente para cada litro.

Sim, há demanda aquecida pelo sustentável.

É que assim como o etanol hidratado nos veículos flex, os SAFs serão adicionados à querosene de aviação (Qav) para ajudar a reduzir as emissões de carbono das aeronaves.

Trata-se de um mercado gigantesco para esses combustíveis, que integram a bioquerosene (bioQAV) e cuja matéria-prima pode ser etanol ou biodiesel.

Vale lembrar que, assim como já ocorre com carros e demais veículos, que já têm motores eletrificados (híbridos com etanol ou gás), o mercado aéreo também deverá ofertar motores elétricos muito em breve. 

No entanto, a frota, hoje, roda com combustível fóssil.

Só para se ter ideia, levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) relata que atualmente o mercado mundial possui 16 mil aeronaves, que usam querosene e, assim, receberão o aditivo sustentável para diminuir as emissões.

Aliás, desde 2020 a Organização Internacional de Aviação Civil (OACI, em inglês) implementou o Sistema de Compensação e Redução de Carbono para a Aviação Internacional (CORSIA, em inglês).

Trata-se de uma regulamentação mundial para reduzir e compensar as emissões de CO2 provenientes dos voos internacionais e sem que o setor precise parar de crescer.

A adição de SAF, assim, é estratégica para emitir menos CO2.

Para tirar dúvidas sobre SAF, bioquerosene de aviação e saber quando, enfim, o Brasil entrará de vez nessa produção, entrevistamos Amanda Gondim.

Ela é pesquisadora e professora de Nível Superior e Coordenadora do Projeto de Gestão da Rede Brasileira de Bioquerosene e Hidrocarbonetos Sustentáveis de Aviação (RBQAV).

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Confira a entrevista:

 

Muito tem-se falado em Combustível Sustentável de Aviação (SAF) e em bioquerosene de aviação (bioQAV). Qual é a diferença entre um e outro?

Amanda Gondim - O SAF (combustível sustentável de aviação) é o termo mais utilizado mundialmente porque engloba qualquer fonte que seja sustentável.

Envolve não só todos os combustíveis vindos da biomassa, como, também, os que são produzidos inclusive sinteticamente que, capturando CO2, por exemplo, do ar, e com o hidrogênio, por meio de eletrólise, geram os combustíveis sintéticos.

Os SAF também integram os combustíveis feitos de resíduos, inclusive os vindos de petróleo, tipo o plástico.

 

E o bioQAV?

Amanda Gondim - Já o bioquerosene de aviação (bioQAV) foi utilizado no mesmo sentido dos SAF, só que essa terminologia foi decaindo porque o bio de bioQAV remete a biomassa, muito ligado à produção a partir de biomassa. Aí entram também resíduos agrícolas a partir de biomassa, e oleaginosas a do álcool a partir da cana-de-açúcar.

A saber: em resolução a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) [refere-se a bioQAV] como querosene alternativo de aviação, ao invés de bioquerosene. Mas ambos têm o mesmo sentido.

 

Que combustíveis usam hoje aviões e embarcações marítimas?

Amanda Gondim - No caso dos transportes aéreo e marítimo, eles usam combustíveis de origem fósseis, líquidos e com alta densidade energética.

 

É muito caro produzir bioQAV?

Amanda Gondim - O investimento para produção de bioQAV exige valores bem acima, por exemplo, do biodiesel e até mesmo do etanol.

Uma biorrefinaria de bioQAV equivale a uma refinaria de petróleo, em investimento estimado de US$ 1 bilhão.

Realmente é um investimento muito alto.

 

Isso também ocorre em outros países?

Amanda Gondim - Para se ter ideia, nos Estados Unidos as refinarias vêm sendo transformadas em biorrefinarias. Ou seja, eles já têm muitas refinarias e as transformam em biorrefinarias.

 

E no Brasil?

Amanda Gondim - No caso do Brasil, temos poucas refinarias e não somos autossuficientes em refino de petróleo. E há a dificuldade no surgimento dessa nova indústria [de bioQAV], que é um investimento muito alto.

No entanto, há uma imensa demanda mundial por bioquerosene.

 

Se hoje o Brasil produzisse bioQAV haveria demanda?

Amanda Gondim - Sim.

 

Por que não há ainda produção de bioQAV no Brasil? Quando ela deverá começar?

Amanda Gondim - Acredito que o projeto com previsão mais próxima de produzir bioQAV, em 2025, é o do Brasil BioFuels (BBF) [cuja matéria-prima será o óleo de palma e o refino será feito em nova planta em Manaus; leia mais aqui].

 

Estima-se que o número de projetos de SAF chegue a 100 em desenvolvimento ou implantação em 30 países. Em quais ele está mais avançado?

Amanda Gondim - Países do norte da Europa e os EUA já vêm produzindo SAF.

No caso de São Francisco, estado da Califórnia, nos Estados Unidos, onde estive há pouco, a produção na verdade é de diesel verde e eles importam o bioquerosene de Singapura.

Mas há, sim, existe produção de SAF e ela é bem crescente.

 

Quanto custa produzir SAF?

Amanda Gondim - Na comparação com o fóssil [querosene de petróleo], o preço do SAF chega a custar até quatro vezes mais.

Mas tudo vai depender muito da biomassa e do processo. O processo que tecnicamente tem uma melhor viabilidade é o de Hefa [que utiliza óleos vegetais, gorduras animais, resíduos de cozinha, óleo de pirólise e também óleo de algas para formular querosene de aviação; leia mais aqui].

Em resumo, dependerá muito da escala de produção e do tipo de biomassa e do processo a ser utilizado.

 

Há incentivos públicos de países?

Amanda Gondim - Nos Estados Unidos existem três subsídios no estado da Califórnia: dois são federais e um estadual. Eles possibilitam a produção e utilização de SAF.

Outros países disponibilizam mecanismos para viabilizar a utilização desses combustíveis sustentáveis.