Como o setor deve se preparar para atender o mercado de etanol criado pelas novas tecnologias
Por Delcy Mac Cruz
SAF, hidrogênio verde e células para eletrificação, entre outras, devem gerar demanda gigantesca pelo biocombustível
Não é novidade para ninguém que o etanol é protagonista durante a aplicação do conceito transição energética no Brasil.
Um detalhe que justifica esse protagonismo é seu potencial de redução de emissões de gás carbônico (CO2) diante, por exemplo, da gasolina.
Ou seja, o biocombustível de cana emite até 70% menos CO2 que o concorrente fóssil, relata estudo da Embrapa Agrobiologia.
A produção de etanol brasileira também é robusta: alcançou 31,2 bilhões de litros em 2022, segundo a UNICA. Desse montante, 4,4 bilhões foram produzidos a partir do milho. Como neste ano essa fatia deve ir para acima de 6 bilhões de litros, significa que a fabricação total do biocombustível deve passar da casa de 34 bilhões de litros.
É volume suficiente para atender ao mercado doméstico e mesmo o externo, para quem o Brasil envia parte de anidro (para adição à gasolina) e etanol para outros fins (industrial, doméstico e farmacêutico).
Mas apesar do saldo positivo, nem tudo é céu de brigadeiro.
É que o biocombustível brasileiro terá pela frente desafios para confirmar seu protagonismo.
Quais são esses desafios?
Entre eles, está o de dar conta de suprir novos mercados para o biocombustível.
No médio prazo, ou daqui a no máximo dez anos, tecnologias que hoje estão em desenvolvimento ou são temas de projetos deverão estar disponíveis.
A lista inclui hidrogênio verde, combustível sustentável de aviação (SAF), células de etanol para eletrificar motores de veículos, combustível para navios e o aumento de atuais 27% para 30% da mistura de etanol anidro na gasolina, intenção anunciada pelo governo federal.
Diante das tecnologias ainda em fase de desenvolvimento, fica difícil quanto de etanol elas irão demandar.
Mas da lista citada, dá para estimar que, caso seja efetivada, a maior mistura de anidro exigirá 1 bilhão de litros extras de anidro.
Essa previsão leva em conta que em 2022, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), foram comercializados 43,6 bilhões de gasolina C para movimentar a frota flex de 37 milhões de veículos. Em volume, o anidro, que é adicionado em 27%, representou 12 bilhões de litros do total.
Entretanto, independente do tipo de demanda de etanol, a EPE, que é do governo federal, avalia, em estudo divulgado em dezembro passado, que em 2032 serão necessários 47 bilhões de litros, sendo 36,1 bilhões de litros de etanol de cana e 9,1 bilhões de litros de etanol de milho.
Confira as previsões da EPE:
Em suas projeções, a EPE destaca que o etanol hidratado (flex) avançará no mercado porque até 2032 terá maior competitividade frente à gasolina por conta do programa de Estado RenovaBio e de melhorias dos fatores de produção realizadas pelo setor sucroenergético (leia aqui a íntegra das projeções).
Como fica a demanda de etanol pelas novas tecnologias?
Para responder a essa e outras questões, entrevistamos o economista Haroldo Torres, gestor de projetos do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (PECEGE).
Confira a entrevista com ele, que possui experiência na área de Economia Agrícola, com ênfase no desenvolvimento de modelos e sistemas voltados principalmente para análise de projetos, valuation, análise de custos de produção e pesquisas no setor sucroenergético.
O Brasil possui tempo para ampliar a oferta de etanol e atender aos novos mercados que virão?
Haroldo Torres - O setor sucroenergético vive o que chamo de ‘avenidas de oportunidades.’ Estamos na safra 2023/24 e o setor tem potenciais ganhos de produtividade, maior disponibilidade de cana e aumento de eficiência e escala. É o caminho para a plena capacidade de produção.
Do que resultam essas ‘avenidas de oportunidades’?
Haroldo Torres - Essas ‘avenidas’ resultam de geração de caixa operacional do setor a partir de aprendizado recente com crescimento rigoroso e disciplina na gestão de estrutura de capital.
O senhor produziu quadros sobre o setor, apresentados abaixo. Quando haverá mais oferta de etanol?
Haroldo Torres - Ela chegará com a maior geração de caixa operacional com a expansão da demanda de renováveis. Além de caixa, precisam entrar aí governança, sucessão e profissionalização.
E o segundo quadro?
Haroldo Torres - Ele apresenta ondas e fases do setor sucroenergético. Na quinta fase, por exemplo, é onde entram o SAF, o hidrogênio e outras tecnologias em avanço, caso do bioplástico, biobunker (e-metanol), lignina e amônia verde.
Quero dizer que todas essas demandas de renováveis adicionais estarão na última fase de expansão do setor.
Em que fase o setor está hoje?
Haroldo Torres - Está na terceira fase, onde entram biogás, levedura seca, pellets de bagaço e etanol de milho, entre outros. Ou seja, o setor irá caminhar naturalmente para este processo das fases baseado em três pilares: diversificação de portfólio e agregação de valor, maior aproveitamento da energia contida na cana baseados na baixa pegada de carbono.
Então o setor tem tempo para se preparar?
Haroldo Torres - Sim, essa demanda de etanol virá no médio e longo prazo. Mas para que isso aconteça será preciso recuperação da produtividade agrícola e eficiência agroindustrial.
Em suma, as novas demandas serão, sim, catalisadores no médio prazo. No curto prazo, a única pressão sobre o setor seria a maior mistura de anidro à gasolina.