Entenda por que os fornecedores de cana são a alma do setor sucroenergético

Eles somam 20 mil produtores e respondem por 30% de toda matéria-prima processada pelas usinas

por Delcy Mac Cruz

 

Os fornecedores de cana-de-açúcar participam ativamente da produção de etanol, açúcar e bioenergia e são considerados a alma do setor sucroenergético.

O reconhecimento tem um motivo pra lá de justificável, afinal de contas eles respondem por 30% de toda matéria-prima processada pelas usinas em operação no país. 

Traduzido em números, esse percentual representa 162 milhões de toneladas das esperadas 540 milhões de toneladas projetadas para a safra em vigor na região Centro-Sul do país, responsável por mais de 80% da produção nacional - as usinas das regiões Norte e Nordeste se encarregam dos demais 20%.

Em tempo: a projeção de 540 milhões de toneladas é do diretor técnico da UNICA, Antonio Padua Rodrigues, apresentada em recente painel online na Agribusiness Summit, evento da Fenasucro/Agrocana. E, segundo o executivo, trata-se de uma previsão conservadora. Ou seja, ela poderá crescer até o fim do ciclo, em março de 2023. 

Por aí dá para atestar a importância dos fornecedores. 

Aliás, eles são divididos em produtores integrais, que assumem da produção à colheita e entrega da cana na usina, arrendatários de terras e parceiros da companhias sucroenergéticas. 

Seja de um ou de outro tipo, o fornecedor é estratégico para o setor que por ano tem PIB setorial de aproximadamente US$ 40 bilhões, segundo relato da UNICA. Esse montante equivale a cerca de 2% do PIB brasileiro. 

 

Universo de 20 mil produtores

 

O universo de fornecedores soma por baixo 20 mil produtores rurais, dos quais 11 mil são representados pela Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana) (leia aqui mais sobre a entidade).  

Pois essa legião se prepara agora para participar do mercado de créditos de descarbonização (CBIOs). Trata-se de um ativo correspondente a uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) que deixa de ser lançado no meio ambiente.

Também conhecido como crédito de carbono, o CBIO é emitido a cada volume de etanol produzido e isso depende de cada usina certificada no programa de Estado RenovaBio

Por sua vez, o mercado desses créditos possui compradores obrigados, que são as distribuidoras de combustíveis - que precisam quitar as emissões de carbono da gasolina e do diesel com a aquisição de CBIOs. E tem os compradores não obrigados: empresas que queiram quitar suas emissões com os títulos, e mesmo investidores. A compra é feita na B3, a bolsa de valores de São Paulo. 

Para se ter ideia, neste 2022 está prevista a emissão de 36 milhões de CBIOs. E o valor de cada oscila e em maio último valia médios R$ 120. 

A estimativa de especialistas aponta que neste ano as vendas dos créditos devem chegar a R$ 3 bilhões. 

Oficialmente, têm direito ao crédito financeiro as usinas certificadas no RenovaBio. 

Por sua vez, os fornecedores de cana também estão nesse mercado. 

“Estamos repassando para [eles] 60% do valor líquido do CBIO”, disse, no evento online da Fenasucro, o diretor técnico da UNICA. 

“O repasse vai para aqueles fornecedores que primam pela sua lavoura e tem os seus dados primários.” 

Aqui vale destacar que dados primários são aqueles em que é preciso listar - e comprovar - todos os processos agrícolas da propriedade.

Esses dados são prioritários para as usinas no RenovaBio porque ajudam a reduzir a pegada de carbono no ‘ciclo de vida’ do etanol. Em resumo, esse ‘ciclo’ vai do plantio da cana à entrega do biocombustível no posto e essa operação exige consumo de óleo diesel e tratos com insumos agrícolas - que também emitem carbono. 

Sendo assim, quanto menos uso de diesel e de insumos emissores de carbono, melhor o ‘ciclo de vida’ e, em decorrência, a usina consegue emitir um CBIO com menor volume de etanol produzido. 

“Acho muito complicado ainda se precisar de 800 a 1 mil litros de etanol para um CBIO”, disse Padua. “Temos potencial para alcançar um crédito com 600 litros.”

Como os fornecedores respondem por 30% de toda a cana, eles também têm peso extra na corrida para chegar ao potencial mencionado pelo diretor da UNICA.

 

Projeto de lei oficializa remuneração

 

Para tanto, o próximo passo é oficializar a remuneração dos fornecedores com os CBIOs. 

É o que destaca o projeto de lei 3149, que inclui os produtores independentes de cana na legislação que criou o RenovaBio. 

“[Ele] fará jus à participação nas receitas oriundas da negociação dos CBIOs, na exata proporção da matéria-prima por ele entregue, respeitando-se a totalidade do processamento e o mix de produção e de comercialização realizada pelo produtor de biocombustível”, relata o projeto, de autoria do deputado Efraim Filho (DEM/PB).

Apresentado em 2020, o projeto já foi aprovado pela Comissão de Agricultura da Câmara Federal e espera parecer da Comissão de Minas e Energia e de outras comissões até entrar em votação no plenário. 

Não dá para estimar se o projeto será aprovado e sancionado para vigorar ainda neste ano de eleições. 

Entidades como a Orplana estão na torcida pela aprovação. “O Projeto traz avanços e novas perspectivas aos produtores de cana”, relata, em nota, a entidade.

É de se aguardar agora a aprovação da lei que contempla a estratégia dos produtores rurais integrantes da alma do setor sucroenergético. 

 

Leia também: