Etanol de segunda geração: limpo e disputado, ele ainda é pouco produzido. Mas isso vai mudar.
Por Delcy Mac Cruz
Descoberta de cientistas contribui para aumentar e baratear a produção do biocombustível
Bioetanol, etanol verde ou celulósico. Não importa como ele é chamado, o fato é que o etanol de segunda geração (E2G) está no radar das mais de 200 plantas industriais sucroenergéticas do Brasil.
Qualificações não faltam. Ele tem baixa pegada de carbono (emite até 80% menos dióxido de carbono que a gasolina) e, entre outras, sua produção é até 50% maior que o etanol convencional (de primeira geração) sem usar um pé de cana a mais.
Tá, mas se é tão eficiente e rentável por que o E2G só fica no radar e não emplaca de vez nas empresas do setor?
Antes de seguir adiante, clique aqui para saber mais a respeito do biocombustível em conteúdo da Raízen.
Agora vamos lá: apesar de tantos prós, ele tem nós. Um deles é a tecnologia de produção, bem mais complexa que a necessária para o etanol convencional.
Além disso, tem o custo de produção. Ele é alto, bem alto, e, assim, segue um produto que todos desejam, mas que poucos fabricam.
Demanda disputada
A pioneira em E2G é a GranBio: sua planta, denominada Bioflex, começou a operar em 2017 em São Miguel (AL). Leia mais aqui.
Já outro dos fabricantes é a Raízen, joint-venture entre Shell e Cosan. Ela possui duas plantas em produção e mais duas estão previstas para entrar em operação até 2024 (leia aqui).
Ao todo, elas deverão entregar 280 milhões de litros por ano.
Mercado comprador não falta. Conforme a empresa, 80% da capacidade das plantas já foram comercializados em contratos de longo prazo.
Vale destacar que os estimados 280 milhões de litros equivalem a pouco mais de 10% do biocombustível convencional fabricado a cada doze meses no país.
Descoberta favorece maior produção
Contudo, esse percentual tende a subir proximamente graças a uma descoberta já finalizada por pesquisadores brasileiros.
Eles integram o Laboratório de Bioquímica de Plantas da Universidade Estadual de Maringá (Bioplan-UEM) e do Laboratório de Fisiologia Ecológica da USP (Lafieco-USP) e conseguiram aumentar em até 120% a sacarificação do bagaço da cana ao longo de 12 meses.
Isso resulta da aplicação de compostos naturais à planta - um deles à base de ácido metilenodioxicinâmico (MDCA), outro com ácido piperolínico (PIP) e um terceiro que leva daidzina (DZN).
O saldo é que os compostos desenvolvidos alteram o metabolismo da lignina, molécula que confere rigidez à parede celular da planta.
“Isso facilita o acesso à parede, que é onde está localizada a celulose e, assim, é possível produzir mais açúcar, mais carboidrato”, relata o biólogo Wanderley Dantas dos Santos, coordenador do Bioplan-UEM ao Jornal da USP.
Em síntese: a descoberta pode contribuir para aumentar e baratear a produção de E2G, feito a partir do bagaço da planta. No caso do etanol de primeira geração, ele é feito a partir da fermentação da cana.
Como a produção pode ser barateada?
Em relato ao Jornal da USP, o botânico Marcos Buckeridge, coordenador do Lafieco-USP, explica que atualmente a indústria tem gasto financeiro alto para realizar o chamado pré-tratamento, quando se retira a lignina para tornar os carboidratos acessíveis às enzimas, que então irão digerir esses polissacarídeos e, assim, produzir açúcares que podem ser fermentados para produzir o etanol de segunda geração.
Esse processo, emenda, impacta o custo de produção em 30%.
Porém, com a modificação na lignina, o bagaço se torna mais fácil de ser digerido pelas enzimas. Ou seja, será necessário utilizar menos enzimas no decorrer do processo.
“As enzimas correspondem à parte mais cara da produção do etanol de segunda geração”, explica o botânico.
“A utilização do bagaço poderia aumentar em até 40% a produção de etanol no Brasil”.
O trabalho dos pesquisadores está em curso. Por exemplo: existe o desenvolvimento de projeto visando testar a eficácia da tecnologia em planta da Raízen.
Além disso, os pesquisadores desenvolvem um coquetel com enzimas e fungos brasileiros para ser usado na produção de etanol de segunda geração e não mais depender de empresa europeia que detém esse monopólio no mundo.
Agora é esperar que o trabalho seja concluído, chegue ao mercado e, enfim, mais empresas sucroenergéticas entrem no filão produtivo do E2G.