Matéria prima de fertilizante e biogás, vinhaça se prepara para também gerar biodiesel
Por Delcy Mac Cruz
Biocombustível limpo ajudará a reduzir as importações do poluente diesel
Crédito da imagem: Unica/Divulgação
Há muito a vinhaça deixou de ser um resíduo malcheiroso da cana-de-açúcar. Gerado após a destilação do caldo de fermentação para a obtenção do etanol, o composto químico, também chamado de vinhoto, tiborna ou restilo, ganhou destinação estratégica nos canaviais.
É que graças à alta concentração de potássio, fundamental na absorção de nutrientes para a matéria-prima do etanol, a vinhaça tornou-se fertilizante natural, principal ingrediente da técnica de fertirrigação.
Assim, ao ser inserida nos canaviais, a fertirrigação pelo subproduto trouxe duas soluções em uma só tacada: resolveu os problemas do descarte da substância no solo, prática que afetava o lençol freático, e aliviou o caixa das usinas com a economia na compra de fertilizantes.
Isso tudo pode parecer novidade para quem não está familiarizado com o setor sucroenergético, mas a fertirrigação com vinhaça é bem adulta: começou a ser implantada em 1975 e, assim, tem 48 aninhos. Leia aqui mais a respeito desse fertilizante natural.
Ajuda nos tratos canavieiros
De lá para cá, a vinhaça ampliou sua estratégia.
Com a guerra entre Rússia e Ucrânia, que desde 2022 afetou o abastecimento mundial de fertilizantes, o subproduto canavieiro ganhou holofotes pelo potencial de cloreto de potássio.
Com isso, sua aplicação pode ser feita em conjunto com inseticidas, o que reduz os custos com fertilizantes e nos tratos contra pragas. Além disso, a vinhaça ajuda a elevar a produtividade em cerca de 4 toneladas por hectare (leia mais aqui).
Não para por aí.
Vez do biogás
Ao lado da torta de filtro, também subproduto do processo industrial das usinas, a vinhaça é fonte para a produção de biogás.
Esse pode ser transformado em energia elétrica e se todo o potencial de geração do gás renovável virar eletricidade, responderá sozinho por 10,5% da atual capacidade instalada de geração (confira aqui).
Tem mais: o biogás também pode virar biometano, que é a versão purificada para uso como combustível e substituir o óleo diesel.
Vale destacar que, seja um ou outro, o setor sucroenergético lidera como fonte de produção.
É que nada menos do que 48% de todo o potencial projetado para fabricar biogás vem dos subprodutos das usinas de cana, com 21,1 bilhões de metros cúbicos por ano, estima a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás).
Diante tudo isso, o biogás e o biometano só iriam mesmo crescer nas empresas sucroenergéticas. Nada menos do que 10 companhias já empreendem ou estão em vias de iniciar produção dessas renováveis.
Vem aí o biodiesel
A próxima etapa evolutiva do biogás também já está formatada.
É que ele será fonte para produção de biodiesel, hoje feito a partir de óleos vegetais e de gordura animal.
Atualmente, esse biocombustível é adicionado na proporção de 10% ao óleo diesel em uso no Brasil.
No entanto, a vinhaça poderá gerar biodiesel em escala industrial e, assim, o Brasil pode ter uma nova alternativa [de produção], demandando menor importação de diesel, já que entre 7% a 10% do diesel usado no país é comprado lá fora.
Trata-se de uma nova alternativa que “resultará em mais economia, mais empregos e redução de emissão de gases de efeito estufa sem competir com as área agrícolas”, relata Henrique de Amorim Neto, presidente da empresa de soluções Fermentec, que, conforme ele, empreende o projeto junto com a Universidade do Minho, de Portugal.
Em síntese, a tecnologia utiliza leveduras que são capazes de produzir de acumular ácidos graxos em seu interior. Nesse caso, os compostos orgânicos da vinhaça entram com fonte de nutrientes.
Além de baixar a demanda bioquímica de oxigênio (DBO) da vinhaça, essas leveduras também elevam o pH da mesma, o qual chega próximo da neutralidade. O resultado é a queda do poder poluente e corrosivo da vinhaça. Clique aqui para ler a respeito na revista Opiniões.
Vale lembrar que o biodiesel de vinhaça apresenta potencial altamente sustentável, uma vez que permite aproveitar melhor o carbono e reduzir o poder poluente do subproduto canavieiro.
No mais, esse biocombustível torna-se estratégico para o mercado nacional de combustíveis e, também, para o próprio setor sucroenergético.
É que as empresas do segmento consomem por ano cerca de 1,76 bilhão de litros de diesel, ou 3,3% de todo o consumo nacional do fóssil.
Assim, as usinas também torcem pela chegada desse biodiesel verde, até porque elas geram em média 335 bilhões de litros de vinhaça por ano, montante suficiente para a geração de fertilizante, biogás, biometano e, daqui a pouco, de biodiesel verde.