Por que o etanol é estratégico como matéria-prima para o hidrogênio verde

Um destaque é a redução do custo de produção, como indica projeto em desenvolvimento no campus da USP.

Crédito da imagem: Copersucar/Divulgação

O hidrogênio verde é peça-chave para combater o aquecimento global. No Brasil, ele avança em plantas produtoras instaladas ou em implantação e que usam energia eólica (vento) e solar como matérias-primas. 

Esse avanço, no entanto, é bem pequeno, já que a maioria da produção mundial do combustível tem como fonte o gás natural, derivado fóssil que forma o H2 cinza, empregado em larga escala em processos industriais. 

Ocorre que em sua produção o H2 cinza emite gás carbônico, inimigo número 1 da guerra em curso pela descarbonização. Exemplo: para produzir uma tonelada desse hidrogênio, são emitidas 10 toneladas de dióxido de carbono (saiba mais aqui). 

É aí que entra o hidrogênio verde, que em sua produção tem emissão zero de carbono, embora tenha emissão embutida na fase de fabricação de equipamentos eólicos e solares. 

Mas além da emissão zero, o H2 verde ajuda a diversificar a matriz energética, reduzindo a dependência de fontes fósseis, que são finitas e causadoras de impactos ambientais significativos. 

USP: dois empreendimentos


Crédito: Divulgação - Projeção da futura estação. 

Em que pese as fontes eólicas e solares serem as principais fontes de H2 verde, o etanol avança em ritmo crescente. 

Veja o caso da Cidade Universitária, que abriga o campus da USP na capital paulista e também é sede de dois empreendimentos de hidrogênio verde a partir do etanol. 

O primeiro deles, previsto ainda neste ano, é o teste do hidrogênio renovável em ônibus que circula dentro do campus (leia aqui). 

Já o segundo empreendimento, programado para 2024, é o desenvolvimento de estação experimental de abastecimento que converterá o etanol em hidrogênio verde (saiba mais aqui).

Em linhas gerais, os empreendimentos atestam a estratégia do etanol como fonte de produção de hidrogênio verde. 

Além disso, a futura estação de abastecimento revela outro pulo do gato: “com este projeto, será possível produzir hidrogênio verde de baixo custo”, avalia Julio Meneghini, diretor científico do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), da Escola Politécnica da USP, em entrevista à Agência Fapesp.

Vale destacar que, além da instituição científica e do Senai, participam dos empreendimentos representantes da iniciativa privada. É o caso da Raízen, responsável pelo fornecimento do etanol; da Hytron, encarregada do desenvolvimento e fabricação da tecnologia; e da Shell, que participa com o financiamento de R$ 50 milhões por meio da cláusula de P&D da ANP (leia mais aqui). 

Como será essa estação? 

Ela une um conjunto de equipamentos, entre eles um reformador a vapor de etanol desenvolvido e fabricado pela Hydron. 

É nesse equipamento que irá ocorrer a conversão do etanol em hidrogênio por meio de um processo químico chamado ‘reforma a vapor’. 

Melhor dizendo: essa ‘reforma a vapor’ é quando o etanol, submetido a temperaturas e pressões específicas, reage com água dentro de um reator (saiba mais aqui). 

RETRANCA


Crédito: Divulgação


Além do etanol, bagaço e palha também são fontes do H2 verde

E para onde vai o hidrogênio verde de etanol?

Para saber mais a respeito, entrevistamos o engenheiro químico Jaime Finguerut, Diretor e membro do conselho do Instituto de Tecnologia Canavieira (ITC), ele tem pós-graduação em Engenharia Bioquímica e especializou-se em temas do setor com ênfase em bioprocessos, atuando principalmente em etanol celulósico, leveduras, biocombustíveis e em fermentação alcóolica. 

Como o setor sucroenergético pode participar do crescente universo de hidrogênio verde?

Jaime Finguerut - O setor poderia ser um produtor ou vendedor de matéria-prima para a produção de Hidrogênio. Mas há um problema, que é a sazonalidade da nossa produção, pois só processamos cana por sete, no máximo oito meses do ano, e o Hidrogênio é muito caro para armazenar e entregar o ano todo.

O etanol é a principal fonte para gerar hidrogênio verde, seja ele de primeira ou de segunda geração (celulósico)?

Jaime Finguerut - Sim, o etanol de primeira ou segunda geração é uma das matérias primas possíveis de usar.

Porém temos outras rotas também usando o metano do biogás, ou mesmo o bagaço e palha (qualquer biomassa). A tecnologia mais madura e usada na petroquímica é a reforma a vapor do metano.

Como estimar quanto de etanol é preciso para gerar hidrogênio verde?  

Jaime Finguerut - O etanol tem apenas 13% de hidrogênio , mas a reforma a vapor retira hidrogênio da água, havendo também a produção de outros subprodutos. Assim, inicialmente estimo entre 4 a 5 kg de etanol por kg de hidrogênio puro. É só uma estimativa, porque depende muito das condições do processo e do catalisador utilizado.

O preço de produção é uma incógnita? 

Jaime Finguerut - O preço do hidrogênio depende muito do valor no mercado, ainda indefinido, pois deve haver um prêmio considerável por ser um hidrogênio [feito com etanol] com poucas emissões. O custo deste hidrogênio do etanol é bem maior que os 4 a 5 kg de etanol pois haverão gastos significativos com os investimentos nos reatores, sistemas de purificação, pressurização e armazenamento. Há também gastos em energia e no catalizador e insumos e utilidades. 

A regulamentação da produção de hidrogênio sustentável é tema de projeto no Congresso (leia aqui). Sem ela, o H2 verde fica restrito a projetos em instituições? 

Jaime Finguerut - O Hidrogênio da cana poderá ser usado como biocombustível, ou como produto químico tanto para venda como para uso nos processos da própria usina. Para cada aplicação há regulações diversas, inclusive muito estritas relacionadas à segurança. Como biocombustível, a regulação ainda está em discussão no Congresso.

Em sua opinião, quando, enfim, deve deslanchar a produção de hidrogênio verde com renováveis? 

Jaime Finguerut - O hidrogênio verde, feito pela eletrólise da água usando eletricidade barata e abundante de origem solar ou eólica é a solução mais perto de chegar ao mercado. Porém este mercado ainda não está bem estabelecido e mesmo por esta via ele ainda é bem mais caro do que o petroquímico [que também produz hidrogênio via eletrólise do gás]. Sendo assim, deve demorar para ligar a curva de aprendizado e fazer o custo baixar rapidamente. Lembremos que o etanol de cana demorou quase 3 décadas para ficar mais barato que a gasolina.

O H2 de cana ganhará escala? 

Jaime Finguerut - Como o H2 de cana será por muitos anos uma especialidade de forte apelo ambiental, como o etanol de segunda geração, acredito que sim, teremos condições de entregar este produto com prêmio considerável.