Por que Pablo Di Si, presidente da Volks, lidera a defesa do etanol entre as montadoras
Assim como outras representantes da indústria automobilística, a Volkswagen aposta na eletrificação de motores. Tem no radar o desenvolvimento de tecnologia de célula a combustível de hidrogênio. No entanto, o presidente da companhia na América Latina, Pablo Di Si, tornou-se protagonista na defesa do etanol no Brasil e no mundo.
Ao lado de instituições do setor sucroenergético, ele levanta a bandeira do etanol e garante: esse biocombustível não terá ponto final.
Em entrevista exclusiva ao portal de notícias Energia Que Fala Com Você concedida em 13 de maio através de plataforma de comunicação, o executivo, que tem passagens por outras grandes companhias do setor como CNH e Fiat-Chrysler, explica porque defende tanto o etanol.
Acompanhe o bate-papo com Pablo Di Si
Em uma época na qual países já consideram a aposentadoria dos motores a combustão, com a chegada dos elétricos, o senhor tem feito defesa incisiva do etanol. Por que?
Pablo Di Si – [Tenho feito isso] há exatamente dois anos. Deixe-me falar de forma macro. O importante é ver como a energia é gerada em cada país, em cada continente. Sendo assim, seja carro a combustão ou elétrico, na minha visão é preciso questionar qual é a fonte geradora dessa energia.
[Essa fonte] é renovável? O mundo está indo para os carros elétricos e isso é um fato. Mas vejamos quais países têm mais fontes renováveis. O Brasil, por exemplo, está lá em cima: 86% da matriz energética brasileira é renovável: água, sol, vento.
E qual sua avaliação para os demais países?
Pablo Di Si – No todo, os países precisam avaliar como a energia é gerada. Hoje, os melhores indicadores de emissão de gás carbônico (CO2) levam em conta as fontes geradoras. Porque se elas não são puras, seus produtos não são renováveis.
O etanol sai na frente?
Pablo Di Si – O etanol, se comparado com a gasolina, gera 86% menos emissões. A diferença é brutal. Você planta a cana e quase [todo o processo de produção do etanol] é renovável. E a velocidade para continuar essa jornada é super-rápida se comparada com a implantação de postos para abastecimento de carros elétricos no Brasil. Isso vai demorar 20, 30 anos.
Por isso o etanol terá longa vida pela frente?
Pablo Di Si – Nós temos o conhecimento, a tecnologia, a baixa emissão de carbono conseguida já hoje. Se aumentarmos o consumo de etanol, reduzimos ainda mais o CO2 emitido no Brasil.
Como diretor da VW na América Latina, o senhor defende a expansão do etanol também para os demais países latinos?
Pablo Di Si – Sim. Eu colocaria essa expansão em etanol/biofuel, porque o etanol funciona bem no Brasil e funcionará bem com algum componente misturado em alguns outros países, embora a base seja sempre etanol.
Que o motor elétrico ganhará escala no Brasil, isso é só questão de tempo. O senhor acredita que será possível termos os motores elétricos e a combustão convivendo no país?
Pablo Di Si – O carro com motor flex será complementar aqui no Brasil e nos demais países. O elétrico ou híbrido hoje em dia é caro. Mas daqui cinco a oito anos, quando [ganhar escala], o custo cairá. Mas é aí que defendo o etanol. Mesmo que o preço do elétrico caia pela metade, o Brasil, por exemplo, não terá estrutura rápida de carregamento [das baterias].
E essa falta de estrutura pode impedir o avanço dos elétricos no Brasil.
Pablo Di Si – É um grande investimento. Mas é claro que o carro elétrico virá ao Brasil, assim como o motor híbrido. Mas veja o caso dos motores flex. Nós criamos toda uma indústria.E [no caso do etanol] em algum momento [o mercado dele] irá explodir e precisamos ser protagonistas neste negócio.
Como o senhor avalia a transformação do etanol em commodity?
Pablo Di Si – Aí tenho uma visão um pouco diferente. Temos que fazer pesquisas, mas se exportarmos um motor híbrido com célula de combustível a etanol, por exemplo, mesmo que de forma complementar ao mercado elétrico, estamos falando em outro nível [de produto].
A proposta, então, é gerar valor agregado ao etanol?
Pablo Di Si – Temos que pensar no etanol, na célula de combustível. Ela pode ser transportada em contêiner e exportada para a Europa, para a China. Como isso se dará, eu não sei. O que sei é que temos muita gente competente para fazer pesquisas de como chegar a isso e cito aqui universidades, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), entre outros. Temos muita gente inteligente para buscar solução para isso.
Puro, o etanol como commodity não é boa solução?
Pablo Di Si – Façamos uma analogia com a soja. O Brasil é um dos principais produtores, um dos mais produtivos do mundo. Enviamos a soja para vários países e compramos azeite de oliva da Itália, entre outros. Imagina se tivéssemos essa indústria de azeite que importamos aqui no Brasil. Ao exportá-la, venderíamos por valor [competitivo] e todo esse conhecimento, esse valor, ficaria no Brasil. Devemos, sim, manter a exportação da soja como commodity, mas ter indústrias que deem valor agregado a ela.
Seria, então, o caso de exportar o etanol através da célula de hidrogênio gerada pelo biocombustível?
Pablo Di Si – Isso. Exportar etanol será um bom negócio, mas quando se olha a oportunidade de valor, que une conhecimento e pesquisa, podemos ter os dois produtos para exportação.
Sobre a Volks no Brasil, ela sai de um ciclo de investimento e se prepara para outro.Do que depende o início dele, da retomada econômica, da diretoria da Volks na matriz?
Pablo Di Si – Temos uma ótima relação com o Conselho Mundial da Volks na Alemanha. Deveremos iniciar esse ciclo no segundo semestre com a presença (mesmo que digital) do presidente da Volks, como sinal de confiança, de agradecimento de nossa parte para com ele.
Dentro desse novo plano de investimentos entrará o motor híbrido (elétrico e célula a hidrogênio)?
Pablo Di Si – Não posso falar agora. Quando fizermos o anúncio do plano, divulgaremos os detalhes.
Sobre o motor a combustão: qual sua opinião para melhorá-lo, já que o senhor defende a manutenção do flex?
Pablo Di Si – Você tocou no coração do tema. No Brasil e na maioria dos países, a convenção é a questão das emissões do veículo. É muito errado, porque é preciso olhar a cadeia como um todo. Quando olho o veículo, na Europa ele é muito mais eficiente. Quando olho a cadeia produtiva, o veículo no Brasil é mais eficiente, por conta do etanol.
Precisamos mudar a política pública. Olhar o todo, não só o pedacinho. O veículo elétrico é importante, mas importa saber como a energia é gerada e como roda esse carro. Porque o ar que eu e você respiramos não depende só do veículo, mas da cadeia.
Como deve se dar a política pública?
Pablo Di Si – Há, por exemplo, o programa Combustível do Futuro, lançado em abril pelo Ministério de Minas e Energia. Deve ser de forma transversal, incluir a indústria automobilística, a de aviação, universidades, o governo, e gerar políticas públicas com foco na cadeia completa. Esse negócio do passado, de que a indústria automobilística fazia os estudos, capacitava, isso já morreu. Hoje a indústria é complementar. Temos que pensar o que é melhor para o Brasil em termos de CO2. E pensar grande.