Vêm aí os materiais verdes feitos de palha e bagaço de cana
Por Delcy Mac Cruz
Biodegradáveis e recicláveis, eles entram no mercado hoje tomado por produtos de celulose de madeira
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Biometano, combustível sustentável de aviação (SAF) e protagonista da transição energética. Estão aí algumas frentes produtivas que o setor sucroenergético já empreende ou está em vias de iniciar.
Mas a ‘fila’ de frentes não para por aí. Agora é vez do bagaço e da palha da cana-de-açúcar serem empregados como matéria-prima para obtenção dos materiais verdes (greens materials).
Materiais verdes?
Em tradução científica, são os nanocristais de lignocelulose (LCNCs), resume a Embrapa em texto para divulgar pesquisa de 2021.
Semelhantes a grãos de arroz, mas com espessura cerca de 200 mil vezes menor, os nanocristais, também conhecidos como whiskers, são, segundo a empresa de pesquisa, candidatos importantes para substituir alguns produtos de base petroquímica.
Não é só.
Relata a Embrapa que eles também possuem potencial para aplicações que variam de medicamentos a dispositivos eletrônicos, produtos de consumo, sensores, aerogéis, adesivos, filtros, embalagem de alimentos, engenharia de tecidos, entre outros.
Vale lembrar que a nanocelulose, que integra os materiais verdes, já existe.
Ela vem da celulose, molécula presente em vários organismos, predominantemente em plantas, e sua forma nanoestrutura inclui os nanocristais.
Eles podem ser isolados de qualquer fibra vegetal, relata a Embrapa, entre eles cascas de coco e de arroz, algodão e eucalipto e até de resíduos como madeira de reflorestamento.
Mas se os nanocristais já estão na ativa, qual o motivo da cana-de-açúcar entrar nessa seara?
Há bons motivos.
Antes de seguir adiante, é preciso destacar que a cana não chega para dominar o espaço da celulose de eucalipto. É que há mercado de sobra para as duas.
Estimativas de consultorias internacionais estimam que o mercado global de nanocelulose é estimado em US$ 2 bilhões até 2030.
A Europa se destaca como o maior mercado desse segmento.
Mas veja um detalhe: a nanocelulose europeia se baseia na celulose de árvores e é aí que o Brasil sai na frente com a cana-de-açúcar.
Só para atestar: a cana é cultivada de forma tímida em territórios europeus.
“O Brasil é o maior produtor mundial de celulose de eucalipto e ainda dispõe de um grande estoque de celulose que não aproveitada da cana-de-açúcar, cuja indústria é também uma das maiores do mundo”, afirma o professor Antonio José Felix de Carvalho, da Escola de Engenharia de São Carlos/USP,
um dos coordenadores do IV Workshop Brasileiro de Nanocelulose, realizado neste mês de agosto na Embrapa Instrumentação, em São Carlos (SP).
Ele lembra que a “produção anual global de biomassa supera os estoques comprovados de petróleo, devendo ser considerado estratégico o desenvolvimento de novos materiais a partir da celulose.”
É aí que entram o bagaço e a palha da cana.
Só para ficar no caso da palha, o Brasil tem oferta de sobra deste subproduto canavieiro.
Apenas na safra 2022/23 foram gerados até 16,4 bilhões de toneladas de palha. Parte dela é empregada como matéria-prima de etanol de segunda geração e para geração de eletricidade, além de servir de cobertura para enriquecer os solos.
Mas sobra - e muita - palha. E ela, com a nanocelulose, tem uma destinação pra lá de estratégica.
“Regulação ambiental permitirá substituição total dos plásticos pelos derivados de cana”
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Para saber mais a respeito da nanocelulose a partir da cana, entrevistamos o engenheiro químico Jaime Finguerut.
Diretor e membro do conselho do Instituto de Tecnologia Canavieira (ITC), ele tem pós-graduação em Engenharia Bioquímica e especializou-se em temas do setor com ênfase em bioprocessos, atuando principalmente em etanol celulósico, leveduras, biocombustíveis e em fermentação alcóolica.
Além de ser matéria-prima para produzir etanol de segunda geração e gerar bioeletricidade, a palha tem outra destinação que é a nanocelulose. O que é nanocelulose?
Jaime Finguerut - Na verdade, não só a palha mas também o bagaço podem ser usados para fazer, digamos, "fibras especiais".
A nanocelulose é a mesma celulose hoje feita no Brasil quase que apenas a partir da madeira, à qual se aplica um tratamento físico para reduzir o seu tamanho, até a escala nano, quando estas fibras ganham um comportamento excelente, muito parecido com os plásticos.
Comente mais sobre o emprego da palha e do bagaço como fontes de nanocelulse
Jaime Finguerut - A palha que potencialmente pode ser retirada da lavoura de forma sustentável pode ser adicionada à caldeira, liberando quase a metade do bagaço para outros usos de muito maior valor como a celulose nanofibrilada.
O bagaço já é uma estrutura com fibras menores e pode potencialmente ter um custo de fabricação menor do que a madeira para a nanocelulose.
A palha, no entanto, tem um custo razoável e tem desafios no seu uso, assim estudos de viabilidade têm de ser feitos para justificar o seu uso. A nanocelulose é potencialmente um dos seus melhores usos.
Há estudos de instituições como a Embrapa sobre os materiais verdes, ou nanocristais de celulose, divulgados em 2021. O que os impede de entrarem em produção? Custos, falta de tecnologia?
Jaime Finguerut - Na verdade, os grandes players da fabricação de polpa de celulose e de papel no Brasil já têm investido nesta linha e já têm produtos comercializados. Entre eles, por exemplo, estão os destinados para a linha de embalagens de papelão com melhores propriedades.
No caso de custos, sim existe um acréscimo, mas se espera recuperá-los com lucro, com a demanda por melhores materiais.
Existe demanda hoje para esses nanocristais de celulose? Onde estão os clientes?
Jaime Finguerut - Sim, existe demanda. Por exemplo na substituição total de plásticos, não biodegradáveis e não facilmente recicláveis.
Os consumidores estão gradualmente preferindo reduzir os seus impactos e aí temos de início um nicho e, em seguida, em função da regulação ambiental, teremos uma substituição total.
Segundo relato da Embrapa, cada hectare proporciona entre 10 a 20 toneladas de palha. Na safra 2022/23, segundo a Conab, foram colhidos canaviais em 8,2 milhões de hectares. Sendo assim, o ciclo gerou entre 8,2 bilhões de toneladas de palha, ou 16,4 bilhões de toneladas. Significa que o país possui palha disponível para a nanocelulose?
Jaime Finguerut - Sim, sem dúvida! Como já colocado anteriormente, mesmo sem recolher mais palha, apenas a que vem junto com a cana hoje, já permite em muitas usinas uma sobra considerável de bagaço. Isso já permite pensar em plantas pioneiras de materiais para embalagens ou mesmo utensílios renováveis para substituir plásticos de forma muito atrativa.
Em sua opinião, quais os passos indicados para uma companhia sucroenergética interessada em nanocelulose?
Jaime Finguerut - Como a partir do bagaço os custos de produção são potencialmente menores do que a partir de madeira, o caminho natural para as Usinas interessadas e que tenham sobras consideráveis de bagaço seria procurar parcerias com os atuais players da celulose no Brasil.
Há também empresas multinacionais que já produzem materiais e utensílios a partir do bagaço tratado e têm mercado e tecnologia para substituir plásticos.
Como instituições públicas (incluindo governos) e privadas devem acelerar incentivos para mais essa fronteira do setor sucroenergético?
Jaime Finguerut - O principal apelo desta tecnologia é a sustentabilidade. Assim, a regulação governamental no sentido de reduzir os impactos dos plásticos de embalagem, por exemplo, é extremamente importante, abrindo uma demanda enorme por materiais renováveis e de alta qualidade que se pode fazer com baixo custo a partir do bagaço/palha.