4 projetos com etanol que estão no forno e ajudam o Brasil na meta de descarbonização
Por Delcy Mac Cruz
Conheça cada um deles, que unem academia e iniciativa privada
Créditos de imagem: Divulgação
Não é novidade para ninguém dizer que o etanol emite menos dióxido de carbono (CO2) em relação à gasolina.
Em termos comparativos, enquanto um litro de gasolina lança na atmosfera 2,2 quilos de CO2, o litro do biocombustível emite 0,24 gramas.
As informações são de Marcelo Gauto, químico industrial especialista em petróleo, para o Energia Que Fala Com Você.
Já segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), entre março de 2003 (data de lançamento da tecnologia flex) até fevereiro de 2019, o consumo de etanol (anidro e hidratado) reduziu as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) em 535 milhões de toneladas de CO2 equivalentes.
Para atingir a mesma economia de CO2 seria preciso plantar 4 bilhões de árvores nos próximos 20 anos, relata a entidade (leia mais aqui).
Apesar do saldo positivo de descarbonização reforçado pelo etanol, o Brasil tem muito a fazer.
Em artigo divulgado em outubro de 2021, o portal especializado em Clima Carbon Brief destaca que o país é o quarto do mundo que mais contribuiu para as emissões históricas de CO2, depois de EUA, China e Rússia.
O grande responsável pela colocação do Brasil, relata o estudo, é o desmatamento descontrolado.
Não dá para estimar um prazo para reduzir as emissões caso o governo invista pesado contra o desmatamento. Mas o setor sucroenergético quer contribuir ainda mais nessa campanha pela descarbonização.
É que existem atualmente pelo menos quatro trabalhos que estão no forno e cujo foco é ampliar o potencial de sequestro de carbono em processos do setor sucroenergético.
Vamos a eles?
Antes de mais nada, vale destacar que os exemplos a seguir unem academia e iniciativa privada. E são trabalhos já em andamento.
Microrreator a etanol
Créditos de imagem: Rubens Maciel Filho/Arquivo Pessoal
Trata-se de um reator químico compacto (microrreator) que viabiliza a produção de hidrogênio a partir do etanol.
O desenvolvimento é de pesquisadores do Laboratório de Otimização, Projeto e Controle Avançado (LOPCA), da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (FEQ Unicamp).
A tecnologia, que já está devidamente patenteada com o apoio da Inova Unicamp, pode ser embarcada em veículos e também acoplada a células combustíveis para mover carros elétricos, relata o Jornal da Unicamp.
Como se sabe, a geração de hidrogênio a partir de fontes renováveis é tema de interesse mundial como busca por soluções para diminuir a emissão de GEEs como o CO2.
“Nossa proposta é a produção de hidrogênio embarcada nos carros a partir do etanol. Esse hidrogênio pode alimentar as células combustíveis, possibilitando a eletrificação de forma mais fácil e barata, com a utilização de tecnologia desenvolvida no país e reduzindo a emissão de CO2”, explica Rubens Maciel Filho, professor e pesquisador da FEQ Unicamp.
O protótipo, projetado e construído na Unicamp, é do tamanho de um smartphone e seu núcleo, o coração do sistema, tem apenas 5 centímetros de comprimento.
Para mover um veículo, o hidrogênio produzido pelo reformador deve passar por uma célula combustível que transforma o gás em eletricidade, que faz o motor funcionar.
De acordo com os inventores, o processo já está em escala para uso.
A quantidade necessária de microrreatores para mover um veículo, no entanto, vai depender das especificações do carro.
Células combustíveis
Por falar em células combustíveis, vigora desde setembro de 2021 parceria entre a Unicamp e a Volkswagen para a realização de pesquisas voltadas ao etanol e ao desenvolvimento de células combustíveis que utilizam o composto.
A partir dos estudos, poderão ser produzidos componentes para viabilizar a eletrificação de carros utilizando o etanol no carregamento de baterias.
Isso deve reduzir os custos de fabricação de motores elétricos em veículos e garantir a eficiência ambiental e de desempenho. Além disso, a tecnologia contribui para a geração de empregos e renda por meio da cadeia de produção de etanol do país.
“Um veículo elétrico precisa ser carregado por cerca de oito horas, três horas no melhor cenário. Fazer isso no meio de uma estrada pode se tornar um pesadelo. Com um veículo abastecido com etanol isso não acontece", detalhou na oportunidade Hudson Zanin, docente da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) e pesquisador principal da Divisão de Armazenamento Avançado de Energia do Centro de Inovações em Novas Energias (CINE).
Segundo ele, esse processo reduz a quantidade de baterias necessárias nos veículos, diminuindo seu preço. Outra vantagem está na dinâmica econômica envolvida na produção do etanol e nos custos de geração de energia elétrica: "O Brasil tem uma cadeia gigantesca de produção de etanol e isso é fundamental para o país.”
Energia gerada pelo etanol
Também na Unicamp vigora desde 2019 contrato de prestação de serviço firmado entre a instituição e a Nissan. O foco é estudar o uso de bioetanol como uma opção para a mobilidade elétrica.
A fabricante japonesa é a primeira no mundo a desenvolver um protótipo de veículo com célula de combustível de óxido sólido (SOFC) que funciona com energia gerada por etanol.
Conduzida pelo Laboratório de Genômica e BioEnergia da Unicamp, o acordo prevê a realização de análises, pesquisas e o desenvolvimento de produtos e processos relacionados a tecnologias veiculares e biocombustíveis, além de avaliações das tendências do setor sucroenergético.
Segundo conteúdo da Unicamp, a ideia da montadora é colocar a tecnologia do etanol dentro dos veículos da Nissan não apenas no Brasil, mas em nível mundial.
A Nissan esclarece que, apesar da utilização do etanol, não se trata de um conjunto híbrido, já que não há combustão. O álcool entra no sistema apenas para produzir, por meio de reação química, o hidrogênio – responsável por abastecer a célula de combustível, que gera a eletricidade.
A combinação desta com outras duas tecnologias, o motor e as baterias elétricas, garante ao veículo uma autonomia superior a 600 km. O primeiro período de testes de abastecimento e utilização do SOFC foi realizado até 2017 pela equipe de P&D do fabricante.
Capturar CO2 da combustão
Veja esta: pesquisadores estudam equipamento capaz de capturar CO2 de gases oriundos da combustão de biomassa da cana no processo produtivo do etanol.
A empreitada, a cargo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Ceará (UFC), é baseada em processos já empregados em outros segmentos industriais.
Sendo assim, a pesquisa já nasceu focada em tecnologia existente. E, desta forma, tem sólidas chances de chegar ao mercado nos próximos anos.
Saiba, a seguir, destaques do trabalho a partir de informações do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI, na sigla em inglês), centro que ancora a pesquisa e é financiado pela Fapesp e pela Shell.
Adsorção: o grupo de pesquisadores avalia se é possível capturar CO2 de gases provenientes da combustão da biomassa da cana por meio de sistemas de adsorção.
Quem é usuário: esse processo é utilizado para outras finalidades da indústria nacional e internacional, como, por exemplo, limpar uma corrente de ar contaminada por amônia ou purificar gás natural.
Novidade - Porém, é um processo que ainda não foi aplicado para capturar CO2 a partir da biomassa que gera o etanol e essa é uma das novidades da pesquisa”.
Absorção - Hoje, o processo de separação mais empregado pela indústria é o de absorção. Aqui, o gás passa por um líquido, que então captura o CO2. Mas esse processo consome bastante energia.
Mais econômico - Já o processo de adsorção, empregado na pesquisa, é mais econômico em termos energéticos. Isso porque substitui o líquido por um material sólido altamente poroso.
Poros - Para se ter ideia, um grama dessa partícula pode abrigar cerca de mil metros quadrados de poros. E, graças a essa característica, o material tem grande capacidade de atrair o gás carbônico, o que torna o processo de captura de CO2 mais rápido e eficaz.
Experimentos - O projeto é conduzido em duas frentes. Em uma delas, pesquisadores de Engenharia Química da UFC estudam o processo de adsorção de forma experimental em pequena escala. Eles farão experimentos para compreender como os gases oriundos da biomassa se comportam durante a adsorção. Motivo: se quer entender de que forma fazer a separação eficiente de CO2 na presença de impurezas típicas deste tipo de gás.
Grande escala - Em outra frente, pesquisadores da USP vão estudar a viabilidade de se aplicar a proposta em grande escala, caso de uma usina de cana.
Simulação - Como não existe ainda um equipamento industrial construído para esse fim, a equipe irá simular todo o processo em computador. É preciso pensar nos detalhes construtivos do equipamento para evitar problemas como o da má distribuição de gás e de material sólido.
Risco de prejuízo - É que caso os dois elementos (gás e material sólido) não se distribuam de maneira uniforme no interior do equipamento, não conseguem interagir de forma ideal, o que, consequentemente, prejudica o processo de separação.
Otimização topológica - Para otimizar o desempenho dos equipamentos, o projeto vai lançar mão da otimização topológica. Trata-se de técnica criada na década de 1980, nos EUA: uma ferramenta computacional é utilizada em projetos de estruturas de alto desempenho, que buscam encontrar a distribuição mais adequada de materiais dentro de um espaço específico.
Leitos fluidizados - No RCGI, a otimização topológica é usada na área de fluídos e química. No caso do projeto da biomassa, será adotado o modelo em sistemas de leitos fluidizados que, em resumo, são reações químicas extremamente complexas.
Inteligência artificial - Diante a complexidade, já que o cérebro humano não consegue gerenciar sozinho, sem a ajuda de máquinas, toda a expertise necessária será empregada, já que a finalidade é melhorar a adsorção de CO2.
Alta sensibilidade - É de se reconhecer que a operação demanda alta sensibilidade: se se mexer em um pequeno detalhe relativo à temperatura, por exemplo, pode-se melhorar ou piorar o processo.
Interligação - Depois, os pesquisadores irão interligar os estudos experimentais e de modelagem para desenvolver métodos de projeto para a indústria.
Construção de equipamentos - Os conhecimentos gerados neste projeto irão permitir, por exemplo, que se ofereça subsídios para empresas interessadas em construir equipamentos capazes de capturar CO2 de gases provenientes da combustão de biomassa cana.
Etanol verde - Assim, no futuro próximo esses equipamentos poderão ser instalados em indústrias do setor sucroenergético e contribuir para a produção do etanol verde, sem emissão de CO2.
Na torcida
Não há dúvida: o setor sucroenergético vive a expectativa pelo êxito do trabalho desses pesquisadores.
Afinal, as usinas querem o quanto antes se tornarem estações 100% descarbonizantes - o que ajuda o Brasil a se manter na linha de frente global em redução de gases de efeito estufa.