Como garantir a oferta de energia caso 100% da frota de veículos seja eletrificada?

Serão necessárias mais duas Itaipus, avalia especialista. Mas a geração de eletricidade da cana pode ajudar - e muito

Delcy Mac Cruz

Caso toda a frota de veículos leves no Brasil seja eletrificada, haverá eletricidade suficiente para essa nova demanda? A resposta é não. Mas, calma lá: é possível criar a oferta necessária. Só que não será fácil, principalmente se a opção for a geração por hidrelétricas.

Marcelo Gauto, especialista em Petróleo, Gás e Energia, destaca que se a frota de 58 milhões de veículos leves do país for 100% eletrificada, será preciso uma oferta de 124.538 gigawatts/hora (GWh) por ano. 

Esse montante de energia equivale a duas Itaipus, uma vez que essa gigante geradora produziu 76.382 GWh em 2020. As informações constam de conteúdo de Gauto em seu perfil no Linkedin.

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Tamanho da empreitada

O especialista chegou à necessidade de duas Itaipus ao levar em conta que cada veículo roda em média 40 km/dia. E um veículo elétrico faz médios 6,8 km por kilowatt/hora (kWh). Tudo somado dá uma demanda de 124.538 GWh ao ano de energia elétrica. 

Em entrevista ao Energia que Fala com Você, Gauto destaca que “em termos de porte, não é nenhum absurdo a exigência em si de duas novas Itaipus para abastecer uma frota inteira de veículos elétricos.”

“Foi um exercício apenas, que demonstra o tamanho da empreitada, caso a frota fosse 100% elétrica hoje (isso só pra carros leves, não entrou na conta motos, caminhões, ônibus, etc)”, emenda. E vai além: “como a substituição plena da frota levaria décadas, tem tese daria tempo de se ajustar para isso”. 

É preciso lembrar que caso haja demanda firme, com toda a frota eletrificada, não faltarão investidores em geração para dar conta de suprir o mercado. Mas tem o tempo necessário não só para a implantação de geradores, sejam eles usinas hidrelétricas, solares ou eólicas, para ficar em três fontes. 

Vale mencionar também o impacto ambiental com duas novas Itaipus. A área a ser alagada poderá trazer danos significativos e permanentes à flora e à fauna. “E isso terá de ser levado em conta na avaliação de sustentabilidade de carros elétricos no Brasil, uma vez que nossa principal fonte de energia é a hidrelétrica”, comenta um leitor do conteúdo do especialista. 

Aliás, Gauto alerta que não se trata apenas da necessidade de duas novas Itaipus. Segundo ele, “o que chama mais atenção, porém, é o fato de que maior parte desta necessidade extraordinária de energia elétrica estaria concentrada nas capitais, em especial no Sul e Sudeste.”

“Isso exigiria uma rede robusta o suficiente para, por exemplo, suportar picos de carga'', diz. “Imagina a maioria dos paulistas chegando em casa para recarregar seu veículo elétrico no fim do dia.”

Eletricidade da cana é estratégica

Fora a fonte hidráulica, há opções como a solar ou fotovoltaica. Para ajudar a reduzir a demanda de pico, por exemplo, há quem defenda que se pode usar painéis fotovoltaicos para recarregar o veículo elétrico durante o dia. 

“Mas será que essa vai ser a realidade? Na maioria dos casos, creio que não”, avalia o especialista em Petróleo, Gás e Energia. Mas tem aí a geração de eletricidade a partir da cana-de-açúcar. 

Chamada de bioeletricidade, ela é produzida a partir da biomassa da matéria-prima no sistema de cogeração, ou na forma de biogás. Pois as usinas de cana em operação têm muito a contribuir nesta futura oferta de eletricidade.

Das 369 usinas de açúcar e etanol em operação em 2021, cerca de 220 comercializaram eletricidade (60% do total de usinas), relata ao Energia Que Fala Com Você Zilmar Souza, gerente de bioeletricidade da UNICA, entidade representativa do setor.  

“Mais de 140 usinas não ofertaram excedentes de energia elétrica para a rede (aproximadamente 40% do total em 2021), indicando grande potencial a expandir na geração para a rede com o retrofit das usinas existentes, além do aproveitamento da palha e do biogás na geração de bioeletricidade”, observa.

Mais: “o potencial técnico de geração de bioeletricidade para a rede, com base em dados da safra canavieira 2020/21, pode ser estimado em 151 mil GWh”. 

“Considerando que a geração sucroenergética para a rede, em 2021, foi de 20 mil GWh, estamos aproveitando apenas 15% do potencial de geração de bioeletricidade sucroenergética para a rede”, afirma. 

“Esse potencial de 151 mil GWh representa mais de duas vezes a geração da Usina Itaipu e quase cinco vezes a produção da Usina Belo Monte em 2021”, compara.

Isso, prossegue, “mostra as grandes oportunidades para aproveitar melhor o potencial dessa fonte renovável e sustentável, a partir de uma biomassa já existente nos canaviais.”