Saiba como as usinas de cana podem reforçar a oferta de eletricidade diante picos de consumo.

É possível gerar bioeletricidade mesmo com o fim da safra, afirma Zilmar de Souza, da Unica.

Crédito da imagem: Unica

Até o fim da primeira quinzena de novembro, 50 usinas de cana-de-açúcar da região Centro-Sul do país tinham encerrado o ciclo produtivo, ou safra, segundo relato da entidade Unica.

O Centro-Sul concentra a maioria das 360 unidades canavieiras do país, no qual a safra oficialmente vai de 1º de abril ao fim de março do ano seguinte. No geral, o encerramento do ciclo se dá em dezembro.

Diante disso, entre meados de dezembro a março o setor vive a entressafra, período aproveitado para reformas e ajustes principalmente no parque industrial. O objetivo é um só: deixar tudo pronto para a próxima safra.

Entretanto, mesmo em recesso as usinas podem ajudar o país a garantir a oferta de eletricidade na rede justamente nos meses de verão, quando o consumo tende a ter picos.

Para se ter ideia, a demanda do Sistema Interligado Nacional (SIN) - que representa as distribuidoras de energia - deve acelerar 9,5% em dezembro, segundo estimativa do Operador Nacional do Sistema (ONS), que administra o SIN.

E em 2024? 

Levantamento da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e da ONS aponta para expansão média de 3,5% na demanda durante 2024.

Entretanto, a oferta de eletricidade também oferece dados abastados.

Veja o caso das hidrelétricas, que representam a maioria da  geração de eletricidade brasileira.

No caso das regiões Sudeste/Centro-Oeste, onde estão 70% dos reservatórios mais relevantes, a ONS destaca que elas deverão encerrar dezembro com armazenamento de energia em 93%, a mais elevada para o mês desde 2015, quando ficou em 98,3%. 

Em outras palavras, tudo indica que as chuvas recentes turbinam a oferta de água para gerar eletricidade pelas hidrelétricas.

Tem, também, a geração de outras fontes renováveis, caso da eólica e da solar, fora as termelétricas movidas a gás natural e derivados de petróleo. 

Mas e se for necessário ampliar a oferta de eletricidade?
Neste caso, pode-se ‘importar’ eletricidade de países vizinhos ou acionar termelétricas e mesmo geradores sem se preocupar com as emissões de poluentes já que esses são movidos a derivados de petróleo.

Ou pode-se optar pela bioeletricidade, a energia elétrica feita nas usinas a partir de biomassa.

"Planejamento é imprescindível"

Para saber mais a respeito, entrevistamos Zilmar de Souza, gerente de bioeletricidade da Unica.

É possível ativar as caldeiras e turbinas das usinas e gerar eletricidade mesmo durante a entressafra? 

Zilmar de Souza - Atualmente, a capacidade instalada pelo setor sucroenergético está em 12.430 megawatts (MW), em potência outorgada, o que soma 6,2% de toda a capacidade instalada no país.

Parte dessa capacidade instalada pode gerar energia elétrica, independentemente do processo de fabricação de açúcar e etanol e do período de entressafra.

Contudo, para isto acontecer, respeitando-se o período exigido de manutenção, é imprescindível um planejamento para que haja biomassa disponível ao longo do ano e das operações necessárias na entressafra.

 

Qual sua avaliação a respeito?

Zilmar de Souza - Independentemente da geração na entressafra, é sempre bom valorizar também os atributos da geração pela biomassa durante a safra.

A geração na safra e não intermitente [sem paradas] das usinas sucroenergéticas contribui para a expansão das renováveis variáveis e, principalmente, na complementariedade junto às fontes hídricas.

 

Como está a oferta de bioeletricidade?

Zilmar de Souza - A bioeletricidade sucroenergética ofertada para a rede, entre janeiro e setembro de 2023, foi de 15.228 gigawatts-hora (GWh), equivalente a atender ao consumo anual de energia elétrica de quase 8 milhões de unidades residenciais ou a 67% da geração térmica a gás no país em 2022.

A Unica estima que essa geração (não intermitente) da bioeletricidade sucroenergética para a rede, entre janeiro e setembro deste ano, tenha sido equivalente a poupar 10% da energia total capaz de ser armazenada, sob a forma de água, nos reservatórios das hidrelétricas no submercado Sudeste/Centro-Oeste, por conta da maior previsibilidade e disponibilidade da bioeletricidade justamente no período seco e crítico para o setor elétrico.

 

No caso da geração durante a entressafra, se não houver bagaço existem outras biomassas disponíveis?

Zilmar de Souza - Sim. O mercado de biomassa é fortemente influenciado pelos custos de transporte entre a fonte da oferta e a fonte da demanda, por isto a oferta de outras biomassas (como cavaco de madeira, casca de arroz etc.) ou mesmo bagaço de outras usinas costuma ser mais regional, embora, dentro das usinas ainda temos espaço para avançar com o próprio uso da palha e o aproveitamento do biogás, além do tradicional uso do bagaço.

 

Além da biomassa e do biogás, o que o setor prepara em termos de bioeletricidade?

Zilmar de Souza - No futuro, novos arranjos também poderão surgir, como usinas híbridas com sistemas integrados utilizando biomassa sólida, biogás, fonte solar, gás natural, incluindo a participação de baterias (Sistemas de Armazenamento de Energia), com o uso mais eficiente dos ativos de geração e das redes de transmissão e distribuição que servem as usinas, a mitigação de riscos comerciais (com a geração também na entressafra) e as economias de escala que surgirão desses novos arranjos de governança.

 

O que é preciso fazer para motivar o setor a cogerar neste período de entressafra?

Zilmar de Souza - Inicialmente, seria importante ter uma contratação com certo tempo de antecedência, se possível, para permitir o planejamento das usinas e a geração na entressafra.

Esse planejamento e a geração na entressafra talvez possam ser incentivados com determinadas medidas regulatórias tanto no mercado livre como no mercado regulado.

 

O sr. pode exemplificar essas medidas?

Zilmar de Souza - Sim, seguem duas medidas que poderiam ser pensadas para as próximas safras:

1 - Permitir que as usinas termelétricas movidas a biomassa e a biogás, quando tiverem adicional de geração verificado em relação à Garantia Física sazonalizada, possam comercializar bilateralmente esse excedente de geração mediante contratação regulada ou livre.

2 - Outra medida interessante pode ser nos Leilões de Reserva de Capacidade ou semelhantes, criar um Produto Potência Sazonal, permitindo a participação de empreendimentos termelétricos a biomassa e biogás declarando, no ato de cadastramento no leilão, um Custo Variável Unitário - CVU igual a zero durante o período de safra e, opcionalmente ao gerador, declarando CVU maior do que zero durante o período da entressafra, o que poderia remunerar o custo da biomassa armazenada e essas operações na entressafra.

 

Existem estimativas sobre quanto de bioeletricidade as usinas poderão disponibilizar para o sistema?

Zilmar de Souza - Não temos estimativas, porém um indicador talvez possa ser olhar o perfil de geração para a rede pelo setor sucroenergético.

Em 2022, o setor gerou 18.390.545 MWh para a rede, sendo  o maior valor em julho, com 2.844.769 MWh, e o menor valor em fevereiro, com 92.437 MWh.

Por aí, podemos observar uma enorme diferença entre a geração na safra e na entressafra, apontando que a geração na entressafra poderia crescer, desde que observadas as necessidades do setor sucroenergético para viabilizar tal operação, como algumas das sugestões abordadas brevemente nesta entrevista.