“Covid-19 mudará os planos estratégicos de todas as empresas”, afirma especialista em tecnologia
Sem exceção, o novo coronavírus fará com que todas as empresas mudem os seus planos estratégicos.
A afirmação é de Cezar Taurion, especialista em tecnologia, presidente do Instituto de Inteligência Artificial Aplicada e vice-presidente de inovação da Ciatécnica Consulting.
“As empresas precisarão pensar sem a caixa, e não fora da caixa”, destaca ele em entrevista para o Energia Que Fala Com Você.
A carreira de Taurion é toda focada em tecnologia.
Ele já trabalhou na Shell, no Chase Manhattan, na PwC e na IBM. Deixou o mundo corporativo em 2013 e hoje atua sob vários chapéus: é professor, investidor em startups, além de prestar consultoria e presidir o Instituto de Instituto de Inteligência Artificial Aplicada.
Confira a entrevista:
Como será retomada a atividade econômica após a covid-19?
Cezar Taurion – Estamos diante uma tragédia. A pandemia promoveu uma paralisia global. E retomar a atividade econômica não é fácil.
Pode-se parar a economia por decisão política. Um governador, um presidente, pode fazer isso com decretos. Mas não dá para reativar a economia por lei.
É mais demorado. Não é possível saber como a pandemia se comporta. Comparando com outras pandemias, todas, até hoje, têm fase de início e espalham-se.
No caso da covid-19 ela espalha-se mundialmente até porque o mundo está muito conectado. Em 2003, quando da pandemia da Síndrome Respiratório Aguda Grave (SARS), a China era mais fechada, era mais difícil se ir a locais no interior daquele país.
Depois do pico, geralmente a pandemia começa a desacelerar, entra em controle e pode haver repiques, como houve no caso da SARS.
A curva é mais ou menos assim. É global.
Incógnitas sobre o Brasil
E como o senhor avalia que se dará o retorno da atividade econômica?
Cezar Taurion – A China, por suas características próprias, já registra [no fim da primeira quinzena de abril] congestionamentos de veículos similares ao de antes da pandemia. Mas a China tem um regime fechado no qual as decisões são tomadas.
A Itália, o país mais afetado, com população com idade média, acaba de publicar plano de abertura gradual. Restaurantes devem reabrir em maio, os cinemas em dezembro, os estádios de futebol com público em março de 2021. Significa abertura gradual e diferente da China.
Há incógnitas sobre como será no Brasil. Pode ter uma abertura mais para a Itália do que da China. Não se sabe se mais acelerado. Mas não é rápido, não é imediato.
Não haverá aceleração como antes.
A China pode sobreviver sozinha, com população de 1,3 bilhão de habitantes. O Brasil não é tão grande.
No mais, o dinheiro não sumiu, está parado. Fazer circular esse dinheiro é o grande desafio.
Como as empresas devem fazer?
Cezar Taurion – Para desenhar o futuro, primeiro tem que ter visão macro do que isso provoca.
Primeiro: temos tendência de usar datas para definir limites e mudanças. Um exemplo é empregar o dia 31 de dezembro como resolução de ano-novo, na qual prometemos entrar o novo ano e fazer exercícios ou parar de fumar.
A data de 31 de dezembro não tem diferença alguma. Jogamos as promessas para o ano que vem porque queremos.
O comportamento da sociedade não muda com a data, mas pela dinâmica.
Com a pandemia, o rápido se torna imediato
No pós-covid a dinâmica será acelerada?
Cezar Taurion – O mundo já vinha tecnologicamente acelerando-se.
A velocidade acelerou e a pandemia permite que o rápido se torne imediato.
Isso implementa mudanças em determinados bloqueios e comportamentos. Nas pessoas, talvez haja a tendência de elas se preocuparem mais com higiene pessoal.
No consumo, menos é mais.
É de se perguntar: será que preciso de tanta coisa?
Hoje, com o isolamento, não dá para comprar e temos de nos acostumar. Aprendemos a usar, e não a ter.
Como a tecnologia pode ganhar mais espaço?
Cezar Taurion – A tecnologia pode ser o gatilho para incentivar veículos autônomos, sem motorista.
Se for um veículo compartilhado, pode reduzir contaminação. Os sensores podem desinfectar o ambiente com ultravioleta para a entrada de outro passageiro.
É um indicador: não ter e sim usar o carro. A mudança de hábito pode levar a esse caminho.
Empresas terão de atuar de forma mais colaborativas
E no caso das empresas?
Cezar Taurion – Vamos às empresas. Sempre falavam sobre parcerias, atuação em ecossistemas.
Com a chegada da crise da covid-19 foi um verdadeiro ‘pega pra capar’. Todos chegaram aos fornecedores para romper contratos. Cadê a parceria?
Isso criou feridas, que serão muito questionadas.
As empresas terão de atuar de forma mais colaborativas e menos individualistas, que hoje o são porque os acionistas querem resultados imediatos.
A experiência durante o isolamento social pode impulsionar o nível tecnológico?
Cezar Taurion – Sim. Não iremos precisar de tantos espaços físicos, públicos. Isso pode alavancar algumas tecnologias.
Por exemplo: será que as universidades continuarão como são hoje? Posso conhecer muito on-line. Provavelmente posso aprender muito mais em casa, descalço, na hora que quero.
Isso pode implicar no incentivo à melhoria de tecnologias ligadas em interação (5G, mais conexão via satélite de custo acessível, realidade virtual e aumentada, que dá experiência imersiva muito melhor).
Se tivermos isso, com o hábito criado de estudar on-line, tudo pode ser mudado.
A realidade social continua porque nós humanos precisamos. Mas não precisamos ser robôs para assistir aulas na sala.
Essa projeção também pode ser empregada nas corporações?
Cezar Taurion – Há zoom e há limitações. A tecnologia precisa melhorar para melhorar as aulas on-line. Mas no caso de conexão por satélites, já existe demanda que justifique investimentos.
E isso irá desembocar no trabalho, nas relações trabalhistas.
Será que preciso levar duas horas para chegar, ficar 6 horas na empresa e levar mais duas para chegar em casa?
Com a realidade virtual participo de reuniões e vou ao escritório mais para relacionamento.
Essas mudanças irão impactar a sociedade de forma muito intensa.
Mobilidade urbana será implicada
Quais outras implicações?
Cezar Taurion – Implicará na mobilidade urbana. Se não for preciso tanto do carro, usa-se veículo autônomo, que precisa ser eficiente em termo de energia. Daí entra o emprego da eletricidade. No geral, as montadoras têm datas mais ou menos definidas para eliminar a combustão e isso tudo pode ser acelerado.
E as mudanças nos planos estratégicos das empresas?
Cezar Taurion – A visão macro pode ter mudanças em todos os setores.
A maioria das empresas faz plano estratégico. A Eletrobras fez até 2040, com cenários, e um que não conseguiu contemplar foi a pandemia de covid-19.
No curto prazo, é preciso garantir a sobrevivência do negócio. Imagine o corpo: se tem infarto, é preciso correr para resolver o coração.
Hoje temos que saber como a empresa irá sobreviver nos próximos meses.
Estou paralisado hoje, mas preciso voltar a funcionar nos próximos meses.
Mas é preciso conectar: fazer o que fazia, ou tender à visão macro e repensar o negócio?
Planejar como estará a conexão
Como assim?
Cezar Taurion – Se a empresa é focada no setor sucroenergético, geralmente tem problema de conexão de internet no campo.
Ao fazer o planejamento estratégico, é hora de checar, por exemplo, como está o projeto de conexão por satélites de baixo custo. Será que em 2022 haverá cobertura no Brasil? Se sim, é melhor pensar naquele ano para a conexão ser eficiente para a usina.
Até lá, posso então planejar uso de drones já, que eles não precisam da conexão por satélites.
A diferença é que a manutenção preventiva é ineficiente. Nela, troca-se o óleo do carro a 30 mil km. Já na preditiva troca-se quando cada veículo precisar, pode ser aos 28 mil ou mais dependendo do uso individual. Não se fica preso aos 30 mil rígidos.
Posso usar a tecnologia para fazer manutenção preditiva, indicada para aquele equipamento da usina.
A visão de futuro deve ser incorporada?
Cezar Taurion – A visão de futuro deve ser incorporada na visão estratégica das empresas. Muito se falou sobre transformação digital, que todos investiam nela. Na hora que o bicho pega, viu-se que isso era papo de PPT.
O home office já tem 10 anos. Mas ia-se para o escritório, abria-se o laptop e depois ia para casa. Agora, por conta do isolamento, faz-se em casa.
Eram os hábitos que impediam o home office, não a tecnologia.
É hora de todos os setores repensarem. Será que voltará a ser igual?
Depois da crise de 2008 o modelo econômico foi mantido, mas porque a questão era dos bancos.
E agora?
Cezar Taurion – Agora muitas coisas serão diferentes. Por exemplo: um setor ligado diretamente ao petróleo é o da aviação.
Imagine se a Itália decidir abrir a fronteira só em 2021. Os voos internacionais despencarão, assim como o consumo de querosene de aviação.
Ainda no caso da aviação, a ponte aérea Rio-SP é lucrativa, das mais movimentadas.
Talvez 80% do movimento seja de viagens de negócios e deles, 80% seja de profissionais que vão em um dia e voltam no outro. Em um dia ele faz duas reuniões e, no outro, mais uma.
Por que não fazer as reuniões via tecnologia?
A aviação não retornará ao que era antes.
Eu, que moro no Rio, ia muito a São Paulo. Se não fosse o cliente achava que fosse desatenção. Hoje, com a covid-19, ele não aceita que eu vá. E fazemos as reuniões de casa, com a tecnologia. É praticidade para os dois lados.
A reta não será uma continuidade
Os planos estratégicos irão mudar?
Cezar Taurion – Os planos estratégicos de todos os setores serão mudados. Retomar a mesma reta, ou curva, do que era antes da covid-19?
A reta não será uma continuidade. Será diferente, apontará para outra direção, que pode ser mais positiva ou mais negativa.
No médio prazo, é preciso começar a pensar o mundo pós-covid e pensar sem a caixa, e não fora da caixa. O grande desafio das empresas não é voltar ao que era antes, mas imaginar o novo.
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