Com produção de bioeletricidade da cana em alta, usinas celebram Dia da Bioenergia
Por Delcy Mac Cruz
Além da geração a partir de resíduos, unidades sucroenergéticas ampliam oferta de energia a partir de biogás.
Crédito da imagem: Raízen
A bioeletricidade, como é chamada a eletricidade renovável produzida a partir da cana-de-açúcar, responde hoje por 8,8% da matriz energética brasileira. Em números, esse percentual representa a capacidade instalada autorizada de 17,3 gigawatts (GW), ocupando a quarta posição entre as maiores fontes geradoras do país, atrás apenas das renováveis hídrica e eólica e do não renovável gás natural.
De forma resumida, fontes renováveis são consideradas inesgotáveis, porque se renovam constantemente ao serem usadas. São, também, consideradas limpas já que emitem menos gases de efeito estufa (GEEs), formadores do aquecimento global. Por outro lado, as fontes não renováveis são finitas e, entre elas, estão o petróleo, carvão mineral, nuclear e o citado gás natural.
Algumas delas são responsáveis por grande emissão de GEEs, visto que são combustíveis (precisam ser queimadas para gerar energia) e liberam gases poluentes.
Como está a produção de renováveis?
Em termos de geração, a rede nacional (oficialmente denominada Sistema Interligado Nacional) recebeu, nos primeiros sete meses deste ano, 9,76 mil gigawatts-hora (GWh) produzidos pelo setor sucroenergético.
Já em efeitos comparativos, esse volume seria capaz de atender 20% do consumo de Portugal por um ano e equivale a 14% de toda energia gerada por Itaipu em 2022. Além disso, a bioeletricidade da cana produzida nos primeiros sete meses representa alta de 7,1% em comparação a igual período de 2022.
Os dados são da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), com base em informações da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Ranking de geração
Para ilustrar o peso da ‘família’ das renováveis, caso da bioeletricidade, na geração de eletricidade no Brasil, basta consultar o site do Operador Nacional do Sistema na aba geração de carga (consumo bruto de energia).
Em 10 de outubro, por exemplo, o ONS apontava para uma carga de 86,3 megawatts (MW). Desse montante, a fonte hidráulica liderava com 62,4% do montante, seguida da eólica (21,6%), da térmica - que inclui a bioeletricidade - (9,8%) e da solar (5,4%).
Peso das renováveis na geração de carga (em 10/10/23, segundo o Operador Nacional do Sistema
Celebração da bioenergia
Diante das informações destacadas anteriormente, que demonstram o vigor da bioeletricidade gerada a partir da cana, o setor sucroenergético tem motivos de sobra para celebrar o Dia da Bioenergia, em 19 de outubro.
Instituída em 2018, por meio de projeto de lei do deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), a data presta celebração à bioenergia que, conforme destaca o parlamentar, “é a energia gerada por meio da biomassa sólida, líquida ou gasosa.” Ou seja, ela tem como fonte qualquer matéria prima orgânica capaz de gerar energia ou eletricidade, tais como produtos e resíduos agrícolas, madeira e seus resíduos, além de dejetos orgânicos.
“A forma mais conhecida de bioenergia no Brasil é o biocombustível, ou mais precisamente, o etanol e o biodiesel, que alimentam o setor de transporte nacional”, destacam Jardim no projeto.
Vai além: “a principal vantagem da bioenergia é o seu caráter sustentável e renovável, que merece atenção em tempos de aquecimento global e da consequente ocorrência de eventos climáticos severos cada vez mais frequentes.”
“Ademais, a bioenergia tem como outras vantagens o seu elevado índice de confiabilidade e de adaptação à demanda, uma boa relação custo-benefício e o fato de ocasionar menor desgaste aos equipamentos que alimenta”, relata.
Usinas de cana ampliam oferta de eletricidade
Em que pese a capacidade instalada de bioenergia pelas usinas, que amplia a oferta de bioeletricidade. Em sua maioria, as usinas empregam bagaço de cana para gerar bioeletricidade, mas essa bioenergia vem ganhando um aliado importante a partir dos canaviais, que é o biogás, produzido a partir de torta de filtro e vinhaça, também resíduos da cana.
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IA reforça produção de bioenergia
Mas além do biogás e de outros frutos gerados no setor sucroenergético, ele tem um aliado estratégico que também reforça a geração de bioenergia: a inteligência artificial (IA).
No caso, a IA é empregada para finalidades nas companhias que impactam positivamente na produção de eletricidade da cana.
Tome o caso da Raízen, que desde 2020 usa técnicas de machine learning - uma das áreas da IA - para o controle de colhedoras de cana.
Em relato, a companhia destaca que houve ganhos em manutenção de maquinário e esse resultado reflete também na produção de energia. Como assim?
É que o custo de colheita da cana também inclui os subprodutos (bagaço, palha e torta de filtro) usados para produzir bioenergia. Se o valor dessa colheita cair, ele refletirá positivamente no custo de geração de bioeletricidade.
Na Tereos
Outro exemplo do emprego de IA no setor está na Tereos, que controla sete usinas de cana no interior paulista, e investiu R$ 1,1 milhão na implantação de programa de IA voltado para a segurança e bem-estar dos motoristas.
Segundo relato da empresa, com a utilização de avançados sensores de mapeamento facial, o sistema implantado tem a capacidade de acompanhar em tempo real os motoristas e veículos envolvidos em suas atividades diárias.
Esses sensores monitoram de forma contínua os olhos, boca e expressões faciais dos condutores, permitindo a identificação de situações perigosas, como sonolência, uso de celular e cigarro, velocidade acima do permitido e falta de uso do cinto de segurança, entre outros fatores de risco relacionados à condução veicular.
Ao detectar um evento de emergência ou uma situação perigosa, o sistema emite imediatamente um alerta ao motorista responsável.
Além disso, uma mensagem contendo o registro de imagem é enviada automaticamente a uma central de vigilância dedicada, permitindo uma análise precisa e uma resposta eficiente diante de qualquer evento. Dessa forma, a Tereos garante que seus colaboradores estejam protegidos e amparados, proporcionando-lhes um ambiente de trabalho seguro.
E se os colaboradores estão seguros, essa segurança é repassada para a produção de bioenergia.
IA na preservação ambiental
Além de reforçar a produção em si de eletricidade da cana, a IA também possui papel importante em outro papel exercido pela bioenergia, que é a preservação do meio ambiente.
Neste caso, essa preservação, possibilitada pela bioenergia renovável, também deve ser acompanhada da conscientização da sociedade. Ou seja, é preciso gerir a sustentabilidade ambiental. Mas como fazer isso?
É preciso adotar gestão estratégica que consiste em planejar, implementar, monitorar e avaliar as políticas, os programas, os projetos e as ações que visam minimizar os impactos negativos e maximizar os benefícios positivos das suas atividades sobre o meio ambiente.
“Nesse contexto, a IA pode ser uma aliada das organizações na busca pela sustentabilidade ambiental, pois pode oferecer soluções inovadoras e eficientes para otimizar processos, reduzir custos, melhorar a qualidade de desenvolver novos produtos e serviços que sejam mais compatíveis com o meio ambiente”, relata o gestor e consultor ambiental Jonas França em artigo no Linkedin .
Aquecimento gera más notícias para renováveis
Ao mesmo tempo em que são estratégicas contra o aquecimento global, as fontes de energia renováveis são vítimas das mudanças climáticas. Parece contraditório, não?
Pois o estudo Mudanças Climáticas, publicado por seis pesquisadores na revista científica Nature, no começo de 2021, atesta o contrário.
No trabalho, os autores estimaram que, com o aquecimento global, o fornecimento das principais tecnologias renováveis será afetado.
Não é nada no curto prazo, mas se as emissões de carbono seguirem em alta as energias hidrelétrica e a eólica podem diminuir em algumas regiões globais e até aumentarem em outras. No caso da energia solar, seu potencial em escala de utilidade pode diminuir. No entanto, vale destacar que, conforme o estudo, os riscos para os sistemas de energia renovável são modestos.
Hoje, relatam, as renováveis respondem por 15% da energia do mundo. A bioenergia lidera o ranking com 10%, seguida da hidrelétrica (3%) e da solar, eólica e outras renováveis, com 2%.
Se o aquecimento recuasse, como ficou acertado no Acordo de Paris, no fim de 2015, em 2040 as energias renováveis poderiam fornecer quase um terço da energia mundial, conforme alguns modelos.
Potencial de geração de bioeletricidade é gigante
Em que pesem riscos como o aquecimento, a bioenergia tem saldo “pra lá” de positivo. E seja com novas gerações, caso do biogás, e da estratégica IA, essa fonte renovável só tende a avançar no Brasil.
Para comentar mais sobre essas fontes, entramos em contato com o doutor em engenharia de produção e pós-doutor em economia Zilmar de Souza, gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA).
Crédito: Revista Opiniões
Confira o relato enviado pelo especialista:
91% da geração
“Em junho deste ano, as energias renováveis foram responsáveis por 91% da geração de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional, um índice singular de renovabilidade na geração de energia elétrica local e globalmente.
Menos na OCDE
“Nos 38 países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsáveis por mais de 60% do PIB nominal mundial, a participação das renováveis na geração não passou de 33% em junho de 2023.”
Peso da biomassa
“Voltando para o Brasil, neste Dia da Bioenergia, vale a pena comentar a participação da fonte biomassa no índice de renovabilidade na geração de energia elétrica no Brasil.
Em junho de 2023, com a safra sucroenergética na região Centro-Sul em curso, a bioeletricidade para a rede chegou a 3 terawatts-hora (TWh), representando mais de 6% da geração total no país naquele mês.”
Potencial
“E há muito potencial ainda a aproveitar na bioenergia. Somente o potencial técnico de geração de bioeletricidade dos resíduos da cana para a rede é estimado em 143 TWh por ano, significando grande potencial em investimento nesse setor e na bioenergia em geral, pois estamos aproveitando 13% do potencial de geração anual de bioeletricidade sucroenergética para a rede, sem falar no potencial das demais fontes de biomassa.”
Modernização do setor
“Estamos (re)começando o processo de discutir a modernização do setor elétrico brasileiro e avançando com a transição energética na matriz energética local e mundial.
Esperamos que este importante Dia da Bioenergia sirva de inspiração aos agentes públicos e privados quanto à importância estratégica de investimentos na bioenergia em suas mais diversas vertentes e produtos (bioeletricidade, etanol, biodiesel, biogás, biometano, bio-hidrogênio, bioquerosene...), desenhando-se políticas estimulantes, estruturantes e de longo prazo para a bioenergia no nosso quintal e ao redor do mundo!”