Etanol e cana: 11 avaliações do presidente do Conselho da Copersucar que você precisa saber
Por Delcy Mac Cruz
Luis Roberto Pogetti comenta sobre RenovaBio, taxa de juros e faz previsões sobre os mercados globais de açúcar e de etanol
Crédito de imagem: Divulgação
Como o setor sucroenergético irá participar do esperado mercado de carbono em fase de discussão, uma vez que já possui o RenovaBio?
Em termos globais, como deverão ficar os mercados de açúcar e de etanol?
Para comentar essas e outras questões ligadas ao setor, entrevistamos o executivo Luis Roberto Pogetti, presidente do Conselho de Administração da Copersucar.
Ele também foi o presidente de honra da Fenasucro & Agrocana 2022, sucedido, na edição deste ano, por Evandro Gussi, presidente da UNICA.
Confira as 11 avaliações de Pogetti, cuja entrevista foi concedida no evento de abertura da Fenasucro, em 15 de agosto:
1 - RenovaBio
O RenovaBio é de fato o primeiro programa de Estado organizado de reconhecimento de sequestro e de economia de carbono do Brasil.
Esse programa é auditável, homologável, transparente, íntegro, e vem funcionando há quase quatro anos. É um programa de sucesso.
2 - Mercado de carbono
Temos agora no Brasil a criação do mercado de carbono. Trata-se de iniciativa para padronizar os créditos de carbono para serem comercializados.
Acredito que no futuro o RenovaBio terá capacidade de migrar para esse mercado de créditos de carbono.
Isso porque o RenovaBio já está formatado, já é um mercado de crédito de carbono.
Diante o mercado brasileiro de carbono, que um dia será mundial, o setor sucroenergético tem que garantir uma porta para que, num momento correto, o Cbio migre para esse mercado.
Isso se chama fungibilidade: um crédito de carbono de etanol ser fungido, ser trocado por um crédito de carbono de floresta, de siderurgia.
4 - Necessidade de ação pública
Será preciso ação pública para a regulamentação. Está em gestação em ministérios integrados: Desenvolvimento, Fazenda, Agricultura e Meio Ambiente.
Nossa expectativa é de que logo se tenha projeto de lei para regulamentar o mercado de crédito de carbono.
3 - Participação dos fornecedores de cana no RenovaBio
Não é verdade quando se diz que os fornecedores não têm fatia nos créditos do RenovaBio. Eu entendo que uma lei não deve interferir na relação privada.
Uma lei, por exemplo, não deve dizer quanto é o aluguel de sua casa. Não se deve dizer qual é o preço do seu carro.
Se a lei for influenciar nisso [quanto os fornecedores devem ter direito de créditos no RenovaBio] iremos depender em 100% do Estado. Isso não é correto.
Eu diria que mais de 80% das usinas já fizeram acordo de mercado com os produtores e pagam o valor do RenovaBio correspondente à participação da cana na produção.
Esse, aliás, é o mesmo conceito do Consecana, que paga a matéria-prima.
Existe tentativa de parte [dos produtores de cana] de tentar, por meio da legislação, buscar uma apropriação maior dessa renda na atividade. Mas isso é negociação, não é lei.
Legislar sobre negociação privada é um enorme retrocesso.
4 - Fornecedor e usina
O fornecedor de cana tem que se unir com a usina para ampliar a nota do RenovaBio [que permite a emissão do crédito de descarbonização, o Cbio].
Hoje se o fornecedor não traz dados primários sobre quanto de fato está emitindo de carbono, e usa um número padrão, por exemplo 10, se ele fizer a lição de casa - e daí a usina pode ajudá-lo a fazer essa lição - o número padrão pode cair para 8.
O que significa esse padrão menor? Que ao invés de precisar de 10 para emitir um Cbio, poderá fazer a emissão com 8. Ou seja, terá muito mais Cbios.
É aí que está o ganho. Ele não está na divisão do bolo e pedir ao legislativo para dizer o que é meu e o que é seu.
5 - Emissão de Cbios
Hoje, em média, a unidade credenciada no RenovaBio emite um Cbio a cada 700 litros de etanol produzidos.
Mas há como emitir mais Cbios [com outras ‘fontes’ de descarbonização pelo setor].
Exemplos: há a reserva legal das propriedades, outros programas que podem ampliar a redução de carbono, como o biometano.
O etanol emite hoje, na produção, 20 gramas de carbono por megajoule [unidade tradicionalmente usada para medir energia].
Se a usina produzir biometano, e substituir o diesel na produção [seja na indústria, seja como combustível de tratores e caminhões], a emissão de CO2 cairá praticamente para zero.
Ou seja, iremos produzir etanol com emissão zero de carbono.
6 - Juros e investimentos
Para qualquer atividade, o custo financeiro é elevado. [Ter mantido a Selic em 13,75%] foi necessário para a gente conter, com sucesso, o processo inflacionário no Brasil.
Ele teve seu papel, foi relevante, a inflação está sob controle. Aí há uma discussão sobre se demorou [para reduzir a Selic] ou não demorou, que é um misto de política com técnica.
O importante é a sinalização de que as taxas irão declinar. E, mais importante do que isso, é que os juros fizeram o seu papel que era o de controlar a inflação.
Digo que temos um ambiente de expectativa de fim gradual da taxa de juros elevada, e um ambiente saudável para se pensar em investimentos no Brasil.
7 - Mercados para o setor nos próximos anos
A estrutura financeira de capital do setor melhorou muito. Nos últimos três anos o setor teve boa rentabilidade, com preços remuneradores, e as usinas fizeram a lição de casa.
Hoje a maioria das usinas tem estrutura financeira de capital.
Não vejo sinais de enfraquecimento de preço do açúcar no mercado mundial, não há estoque excedente e não se consegue enxergar produção adicional que possa aumentar esses estoques.
Minha leitura de mercado é de que os preços de açúcar devem continuar construtivos e, portanto, deverão continuar remuneradores.
O preço do etanol é importante para a atividade que ele acompanhe a competitividade do preço com a paridade internacional de combustíveis. É o caso do reajuste da gasolina e do diesel no dia 15 de agosto.
No caso do diesel, a alta impacta o custo de produção das usinas, enquanto que o da gasolina [que tem 27% de etanol anidro] devolve para o setor a capacidade de ele ser competitivo no mercado internacional.
Vejo isso para os próximos dois anos.
8 - Oferta de cana
A oferta de cana é a mesma, com ganhos de produtividade marginais, o tamanho do canavial neste ano está surpreendendo. Há ganhos, mas não na velocidade necessária.
9 - Foco em ganho de produtividade
O Brasil nunca deixou de responder ao mercado. Se há demanda, há oferta.
O que vejo hoje no setor brasileiro é foco em aumento de produtividade. As usinas buscam melhor ganho de produtividade nos canaviais, que hoje é bem dispersa: há quem tire 75 toneladas de cana por hectare, e quem passe de 100 toneladas. É uma enorme dispersão.
Tem um esforço, que eu acompanho de perto, que é melhorar o material genético, ter variedade de cana mais produtivas.
Eu acredito que pelo trabalho desenvolvido pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), do qual sou conselheiro, podemos ter a convicção de que em um prazo de 15 anos o setor pode dobrar de produtividade.
Significa produzir o dobro de açúcar e etanol na mesma área. Isso, somado a mais melhoria industrial, mais melhoria na idade do canavial, formam um conjunto de fatores que faz a gente dizer que estará apto - e competitivo em custo - para atender a demanda global.
10 - Atender a demanda global
Nossa história é positiva, nunca deixamos de atender a demanda. Em 50 anos saímos de zero para 32 bilhões de litros de etanol por ano.
O sonho do etanol é ser transformado em uma commodity. Hoje temos dois países que produzem o biocombustível: o Brasil e os Estados Unidos.
Se tivermos a Ásia aderindo a essa produção, a gente fortalece o mercado mundial de etanol e aumenta o tamanho do uso desse mercado em termos globais e cria a demanda para ele.
Sendo assim, não vejo o Brasil fornecendo etanol para a Índia. Vejo o Brasil ajudando a Índia a desenvolver tecnologias para produzir etanol em política semelhante à que o Brasil produz.
Assim, será criado um mercado global, maior e no qual todos possam participar.
11 - Alimentos e aquecimento global
Há dois pontos muito importantes. O primeiro é que o mundo precisará alimentar 9 bilhões de pessoas em um horizonte de 30 a 40 anos, 1 bilhão acima da atual população mundial.
De algum lugar esse alimento precisará sair. O Brasil é um celeiro natural para contribuir nessa agenda. Ele vai resolver? Talvez não, mas pode contribuir.
Temos produtividade, conhecimento, então isso é positivo como perspectiva.
O outro ponto diz respeito à agenda do aquecimento global, da descarbonização. O mundo precisa de contribuição para conter esse aquecimento porque se não conter as terras produtivas serão cada vez mais áridas. E iremos precisar de mais terras para produzir.
Enfim, se não resolvermos o aquecimento global, teremos terra mais seca para produzir, menos recursos disponíveis para produção.
E nessa agenda o etanol está pronto para contribuir.