Vem aí o adoçante de alto valor agregado feito a partir da palha da cana
Por Delcy Mac Cruz
Trata-se do xilitol, que é 40% menos calórico e pode ser consumido também por diabéticos
Créditos de imagem: Eduardo Cesar/Agência FAPESP
Depois do biogás e do biometano, entre outros, o setor sucroenergético está em vias de gerar mais um produto de alto valor agregado.
Trata-se do xilitol processado a partir da palha da cana-de-açúcar.
Antes de seguir adiante, vale destacar o porquê do valor agregado do xilitol.
Em resumo, ele é um adoçante natural encontrado nas fibras de muitos vegetais, tão doce quanto a sacarose (do açúcar nosso de cada dia), porém cerca de 40% menos calórico.
Ou seja, ele é considerado seguro para pessoas com diabetes, embora não seja essencial no tratamento.
Mais: o sabor adocicado do xilitol é percebido por nosso cérebro como se fosse açúcar, mas ele carrega o benefício de não ser metabolizado pelo intestino e não ser fermentado pelos microrganismos que causam cáries, o que lhe dá um potencial gigantesco no mercado mundial, relata a jornalista Julia Moióli em texto da Agência FAPESP.
Por falar em mercado, o xilitol tem um gigantesco público consumidor apenas com os diabéticos.
Segundo levantamento do Ministério da Saúde, em 2020 o número de adultos vivendo com diabetes no mundo foi de 463 milhões de pessoas.
É certo que há adoçante natural concorrente do xilitol, caso do eritritol, também indicado para diabéticos.
Mas há mercado de sobra para ambos produtos.
Melão, abóbora e, agora, a cana
E de que são feitos esses adoçantes naturais? Assim como o xilitol, o eritritol, também chamado de poliálcool, está presente em algumas frutas e vegetais.
Melão, pera e uva estão entre as suas fontes.
Já o xilitol é naturalmente encontrado em mínimas quantidades em frutas e vegetais como ameixa, morango, couve-flor e abóbora. Tem também o xilitol em pó, que passa por modificação química e é extraído principalmente do milho.
É aí que chega a novidade via setor sucroenergético: fazer o adoçante de alto valor agregado a partir da palha da cana.
Em tempo: a palha, hoje, é empregada como fonte para produção de etanol de segunda geração (E2G) e o país conta com duas unidades em operação.
O resíduo da cana também é aproveitado para, com o bagaço, gerar energia elétrica no processo de cogeração. No mais, ao ficar nos canaviais, a palha serve como ‘cobertor’ de proteção para a planta em fase de rebrota.
Créditos de imagem: Laboratório: Angélica Franceschini/Agência FAPESP
E como a palha dará origem ao xilitol?
Por meio da ação de uma versão modificada do microrganismo Saccharomyces cerevisiae, a xilose presente no material pode ser metabolizada, resultando no saudável e cada vez mais popular adoçante, relata Julia Moióli na da Agência FAPESP.
A versão modificada integra estudos realizados na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujos resultados foram publicados no Journal of Genetic Engineering and Biotechnology.
Entre os autores do artigo está Fellipe da Silveira Bezerra de Mello, pesquisador do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia (IB-Unicamp).
Segundo ele, com o produto a indústria do etanol poderá “suprir a demanda crescente do mercado e da indústria alimentícia pelo adoçante xilitol.”
Como se dá a modificação
O trabalho é uma combinação de dois esforços de pesquisa.
O primeiro envolveu a criação de um sistema para modificação genética de linhagens industriais brasileiras de Saccharomyces cerevisiae.
Essa levedura não metaboliza naturalmente a xilose, um tipo de açúcar disponível na biomassa da cana-de-açúcar (e também em troncos e folhas de outros vegetais), como faz ao transformar glicose em etanol.
Daí vem a necessidade de criar uma cepa mutante.
O microrganismo recebeu o gene que converte xilose em xilitol por meio de uma técnica de edição gênica conhecida como CRISPR-Cas9 (sigla para Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas, que funciona com uma proteína associada, a Cas), que permite a edição precisa de uma região específica do DNA.
“Trata-se do primeiro estudo do tipo utilizando as principais linhagens da levedura usada pela indústria brasileira de bioetanol e que, a partir de agora, poderá servir de base para o trabalho de outros pesquisadores”, relata o texto da Agência FAPESP.
Com duas leveduras
Após a edição genética da S. cerevisiae, teve início a segunda frente do trabalho: os testes para confirmar que seria possível aproveitar a mesma fonte de material utilizada na produção de etanol de segunda geração – a palha da cana-de-açúcar hidrolisada, ou seja, degradada para a liberação da xilose – para obter o xilitol.
Além disso, nessa etapa, foi comparada a produção feita por duas leveduras editadas da mesma maneira: uma industrial e outra laboratorial.
Ambas as cepas obtiveram sucesso, mas a industrial superou consistentemente a de laboratório.
“Os resultados mostraram que a levedura industrial brasileira consegue produzir mais xilitol no meio ótimo, que contém apenas a xilose, sem todos os estresses [impurezas] do hidrolisado de cana-de-açúcar”, conta o pesquisador Mello.
“A linhagem industrial também obteve maior sucesso na produção de xilitol usando o hidrolisado da palha [com as impurezas], indicando que essa cepa também possui resistência aos estresses presentes nesse meio.”
“De forma conclusiva, o que percebemos foi que a levedura industrial brasileira, além de ser muito boa para a fermentação do etanol, também é excelente para produzir outras moléculas, no caso o xilitol, que tem maior valor agregado.”
Futuro
Finalizada a prova de conceito, os pesquisadores trabalham agora para aumentar a produtividade por meio de benfeitorias no processo de fermentação do hidrolisado de cana.
Uma das estratégias é suplementar o meio de cultura para promover maior crescimento da levedura.
Outra é aplicar uma corrente elétrica ao meio, o que deve contribuir para a regeneração de cofatores (moléculas que auxiliam nas reações químicas necessárias para a transformação da xilose) – quanto mais cofatores, maior é a produção de xilitol.
“Estamos realizando uma varredura de possíveis estratégias para obter um produto comercial com competitividade industrial. Desse modo, a área de engenharia poderia trabalhar com a purificação do produto para utilização pelo consumidor.”
Enfim, a chegada de mais este item de valor agregado une academia e a iniciativa privada, no caso o setor sucroenergético que se prepara também para entrar no mercado mundial de alimentos saudáveis.
À frente dos estudos
Vale destacar que também participaram dos estudos Carla Maneira, Frank Uriel Lizarazo Suarez, Sheila Nagamatsu, Beatriz Vargas, Carla Vieira, Thais Secches, Alessando L. V. Coradini, Maria Augusta de Carvalho Silvello, Rosana Goldbeck e Gleidson Silva Teixeira.
O grupo teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (15/06677-8, 18/03403-2 e 16/02506-7).
O artigo Rational engineering of industrial S. cerevisiae: towards xylitol production from sugarcane straw pode ser lido em: https://jgeb.springeropen.com/articles/10.1186/s43141-022-00359-8.