Bioquerosene de aviação avança no Brasil e já tem cinco plantas produtoras em fase de empreendimento
Por Delcy Mac Cruz
Biocombustível reduz as necessárias importações do concorrente fóssil e amplia a descarbonização do país
O bioquerosene de aviação, ou bioQAV, deixa de ser tema de palestras e de apresentações para entrar na prática no Brasil.
Combustível renovável formado por uma mistura de hidrocarbonetos, entre eles o etanol, tem composição semelhante à do querosene de origem fóssil (QAV) e pode ser adicionado a esse na proporção de 50%, embora ele caminhe para a substituição de 100%.
Por isso o QAV é estratégico dentro do grupo de combustíveis renováveis de aviação, conhecidos pela sigla SAF.
Para se ter ideia, em 2022 o país consumiu 6 bilhões de litros de QAV, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia.
E este 2023 deverá ser encerrado com um consumo de 6,8 bilhões de litros. Ocorre que perto de 14% desse montante é comprado no exterior.
Diante disso, quanto mais bioQAV produzir, mais o Brasil se livra da dependência externa.
Em nome da descarbonização
Além disso, o bioquerosene também ajuda o país a se consolidar na linha de frente global da descarbonização.
É que na média o bioQAV tem potencial de redução de emissões de gases de efeito estufa entre 55% e 90% em relação aos combustíveis fósseis justamente por ser oriundo de matérias-primas renováveis, caso da cana-de-açúcar.
Em linhas gerais, existem pelo menos cinco projetos de empreendimentos de bioQAV em território nacional. Com isso, dá para dizer que o Brasil está em céu de brigadeiro quando se trata de combustível renovável de aviação? Depende.
No mundo todo, há mais de 130 projetos relevantes de combustíveis renováveis que, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, do inglês International Air Transport Association), estão anunciados por mais de 85 produtores em 30 países (leia mais a respeito aqui, no original em inglês).
A expectativa da entidade é a de que a produção global de renováveis atinja a capacidade estimada de pelo menos 69 bilhões de litros até 2028.
Ainda conforme a IATA, “os combustíveis renováveis de aviação (SAF) representarão uma parte dessa produção crescente obtida por meio de novas refinarias de combustível renovável e da expansão das instalações atuais.
Em linha, a IATA atesta que esses empreendimentos são mais do que necessários para as metas de atingir zero emissão líquida de carbono até 2050. O SAF, atesta a entidade, deve responder por 62% da mitigação de carbono até a data final estipulada.
Os projetos em empreendimento
O bioQAV é antigo como tema de palestras e apresentações. Apenas este espaço de informações sucroenergéticas já tratou do tema por pelo menos duas oportunidades (leia aqui e aqui).
Tudo, no entanto, foi atualizado. Hoje, como já anunciado, o país conta com cinco projetos de SAF em fase de empreendimento e que integram as sete rotas tecnológicas disponíveis. Deles, 3 empregam a cana-de-açúcar como matéria-prima.
Conheça um pouco de cada um:
Embraer e Raízen
A fabricante de aeronaves Embraer e a Raízen, joint-venture da Cosan e da Shell, firmaram em julho de 2022 Carta de Intenções para empreender o desenvolvimento de um ecossistema de produção de SAF.
O objetivo é tornar a Embraer na primeira fabricante de aeronaves a consumir bioQAV a ser distribuído pela Raízen.
Em termos ambientais, a Embraer prevê reduzir mais de 60% das emissões nas operações da empresa com a adição do SAF.
Enfim, a expectativa é que a Raízen contribua para que a Embraer atinja a meta de ter misturas de SAF representando 100% do seu consumo de combustível no Brasil até 2030. (leia aqui mais a respeito).
GranBio
Já a GranBio, produtora de etanol celulósico, entra na produção de SAF com aporte financeiro do governo dos EUA.
Em relato, a companhia, por meio de subsidiária, destaca ter obtido uma subvenção de US$ 80 milhões do Departamento de Energia (DOE) para implantar a planta demonstrativa.
Conforme o relato do DOE (leia aqui), os recursos financeiros somam US$ 118 milhões em financiamento a 17 projetos, entre eles o da subsidiária ligada a GranBio.
Os projetos contribuirão “para atingir a meta do DOE de alcançar biocombustíveis com custos competitivos e pelo menos 70% de redução nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030.”
A planta SAF em escala demonstração será construída nos EUA e alimentada com chips de madeira e resíduo de cana.
Em entrevistas, o presidente da GranBio, Bernardo Gradin, atesta que a previsão é de que a planta entre em operação em 2026.
Geo Biogás & Tech
Por sua vez, a Geo Biogás & Tech espera iniciar em 2024 as operações de planta-piloto em Tamboara (PR).
Fruto de investimentos de R$ 15 milhões da Finep e da empresa, a planta terá capacidade inicial de produzir 660 litros diários de combustível sustentável de aviação.
No caso dessa unidade, as matérias-primas são vinhaça e torta de filtro de cana, ambas já empregadas pela Geo em plantas de produção de biogás que possui em funcionamento ou em fase de implantação.
Vale destacar que aqui a rota de produção é a Fischer-Tropsch (FT), onde o vapor do gás renovável gera hidrogênio, eliminando a necessidade de investimentos em eletrólise - o que reduz o consumo energético.
Vibra e BBF
Por meio de parceria, a Vibra Energia e a Brasil BioFuels (BBF) empreendem a implantação de biorrefinaria de SAF e de HVO (diesel verde) na Zona Franca de Manaus.
Com previsão de entrar em operação em 2026, a unidade tem, como matéria-prima, o óleo de palma.
No caso, o volume estimado de produção deve chegar a 500 milhões de litros por ano.
A BBF fará o investimento industrial, de cerca de R$ 2 bilhões. A Vibra não fará aporte financeiro e atuará como offtaker individual, com exclusividade sobre a produção por 5 anos, possível de ser renovado por mais 5 anos, e se valerá da sua capilaridade de distribuição e força comercial para acessar clientes que estão em busca de soluções sustentáveis e ajudá-los a fazer sua descarbonização (leia mais a respeito aqui).
Acelen
Por sua vez, a Acelen, controlada pelo Mubadala Capital, de Abu Dhabi, e responsável pela operação da refinaria de Mataripe, na Bahia, anuncia investimentos de R$ 12 bilhões na produção de diesel verde (HVO) e de bioquerosene de aviação (bioQAV) (leia mais aqui).
Os aportes serão feito ao longo de 10 anos (a partir de 2022) e a matéria-prima dos biocombustíveis será macaúba a ser cultivada, conforme a empresa, em 200 mil hectares de áreas degradadas.
A produção estimada de biocombustíveis é de 1 bilhão de litros por ano.
Indústria verde
Os exemplos citados comprovam que os biocombustíveis de aviação estão mais do que em prática no Brasil.
E quando se trata da cana como matéria-prima, ela tende a protagonizar outros empreendimentos, uma vez que desde março o governo dos EUA homologou o bioQAV a partir do etanol de cana como combustível de aeronaves.
Ou seja, o mercado aéreo se abre para o bioquerosene que, enfim, tem como meta também a de ajudar a descarbonizar o setor de aviação que, por ano, emite cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2, equivalente a 3% das emissões mundiais totais.