Crescem as opções de mercado para a eletricidade feita a partir da cana
Por Delcy Mac Cruz
Comercialização direta e exportação para países vizinhos são exemplos disponíveis e já praticados por usinas
Crédito da imagem: Tereos
A eletricidade feita a partir da cana-de-açúcar começa a conquistar novos mercados. Tradicionalmente, ela é gerada para atender o consumo próprio das usinas ou concorrer em leilões públicos de compra.
No entanto, a bioeletricidade, como é chamada, está liberada para avançar junto a consumidores privados e também chegar a países vizinhos.
Vale explicar que no caso dos consumidores privados, as usinas já entregam eletricidade contratada por leilões e essa chega ao consumidor particular. A novidade é que agora se pode comercializar diretamente com os clientes.
Já as exportações também são uma novidade e permitidas, via autorização do governo, para países vizinhos interconectados eletricamente com o Brasil.
Ambos exemplos são reflexos da abertura de mercado e de novas formas de comercialização e de fornecimento da energia elétrica.
“É importante estar atento a essas oportunidades para ampliar o leque de opções para a bioeletricidade”, disse ao Energia Que Fala Com Você Zilmar Souza, gerente de bioeletricidade da UNICA, entidade representativa do setor.
Antes de seguir adiante, vamos a um enxuto raio X do segmento de bioeletricidade.
Das 369 usinas de cana em operação no ano passado, 220 (60% do total) comercializam eletricidade excedente (fora a que usam para consumo próprio).
Mas 140 usinas estão fora desse grupo.
E, assim, “indicam grande potencial para expandir a geração para a rede [de distribuição] com o retrofit das usinas existentes, além do aproveitamento da palha e do biogás na geração de bioeletricidade”, relatou o gerente da UNICA em reportagem (leia mais aqui).
Em resumo, com base nos dados da safra 2020/21, o potencial técnico de geração de bioeletricidade para a rede é estimado em 151 mil gigawatts-hora (GWh).
Para se ter ideia, esse potencial, segundo o executivo da entidade, representa duas vezes a geração da Usina Itaipu, a maior geradora de energia elétrica do mundo.
Tereos: eletricidade do biogás
Diante um universo desses de energia elétrica, e com as novas opções de mercado, o setor sucroenergético entra em campo.
Tome o exemplo da Tereos Açúcar & Energia Brasil, controlada pela francesa Tereos, que fechou parceria para fornecer eletricidade gerada a partir do biogás.
A geração fica em planta piloto localizada na unidade industrial Cruz Alta, em Olímpia (SP). Nesse processo, relata a Tereos, a vinhaça (resíduo da produção de etanol) é digerida por bactérias em reatores (biodigestores) gerando o biogás, depois transformado em eletricidade.
A planta produz o equivalente ao consumo de cerca de 85 pequenos comércios ou 1 mil clientes residenciais, com potencial de duplicar o volume no médio prazo.
Pois bem: por meio de parceria fechada com a Lemon Energia, marketplace que conecta geradores de energia sustentável a pequenas e médias empresas, a eletricidade do biogás será fornecida a pequenos negócios, inclusive clientes e parceiros da Tereos, que estão hoje na região atendida pela distribuidora CPFL Paulista.
É preciso destacar que a eletricidade do biogás é limpa em termos de emissões de dióxido de carbono (CO2) porque sua fonte principal é a cana, que sequestra carbono e o estoca no solo (leia mais aqui).
“A sustentabilidade está no centro de nossas operações. Já tínhamos a oferta de energia elétrica limpa gerada a partir da biomassa da cana. Com a produção de biogás, oferecemos mais uma fonte renovável de geração, contribuindo para agregar valor a nossos clientes e parceiros de negócios”, esclarece, em nota, Gustavo Segantini, diretor comercial da Tereos.
Adecoagro: exportação de energia
Por sua vez, a Adecoagro, companhia listada na bolsa de Nova York e controladora de três usinas no Brasil, se prepara para vender eletricidade da cana ao exterior.
Será a primeira com atuação no setor sucroenergético brasileiro a exportar energia de cana.
No começo de outubro, a empresa obteve autorização do Ministério de Minas e Energia (MME) para comercializar energia feita em sua unidade em Angélica (MS) para Argentina e Uruguai, países nos quais a Adecoagro possui operações.
Para o negócio ser concretizado, existe uma série de autorizações e trâmites, destaca Camila Souza Ramos em reportagem no jornal Valor.
“Nosso foco é atender prioritariamente a demanda no nosso país e, se houver oportunidade e interesse tanto do Uruguai quanto da Argentina, a companhia estará pronta para atender”, disse a Adecoagro em comunicado divulgado pelo Valor.
RETRANCA
“É importante estar atento às oportunidades”
Para entender mais sobre as novidades do mercado da eletricidade limpa e renovável da cana, entrevistamos Zilmar de Souza, gerente de bioeletricidade da UNICA. Confira:
Como surgiram estas oportunidades?
Zilmar Souza - O setor elétrico tem se modernizado nos últimos anos, com o avanço da abertura de mercado e de novas formas de comercialização e fornecimento da energia elétrica.
Para a bioeletricidade, é importante estar atento a essas oportunidades, para ampliar o leque de opções para a bioeletricidade.
A venda direta integra esse leque?
Zilmar Souza - Uma dessas novas maneiras de fornecer energia é a modalidade micro e minigeração distribuída (MMGD), cujo marco legal foi sancionado em janeiro deste ano, com a Lei 14.300, aprimorando o processo de produção de energia pelos consumidores para o consumo próprio em suas unidades e a compensação de excedentes em outras unidades.
O que mudou?
Zilmar Souza - Chamada de marco legal da microgeração e minigeração distribuída (MMGD), fez atualizações nas modalidades, deixando o processo ainda mais claro e organizado.
Quais fontes de geração lideram?
Zilmar Souza - Atualmente, a fonte solar domina a MMGD, representando 98,44% da potência instalada via MMGD em quase 1,4 milhão de unidades, enquanto o biogás com resíduos agroindustriais representa apenas 0,08% da MMGD com 30 unidades.
Dessa forma, exemplos como o da Tereos são muito bem-vindos para o setor sucroenergético e para ampliar as fontes de oferta na MMGD.
E como se dá a exportação de bioeletricidade?
Zilmar Souza - A exportação de energia elétrica destinada a países vizinhos interconectados eletricamente com o Brasil também vai nessa linha de ampliar o leque de opções de comercialização e oportunidades para a bioeletricidade.
Quando possível tecnicamente, a exportação de excedentes ao Uruguai e Argentina poderá representar mais uma forma de comercialização a ser avaliada nesses projetos de bioeletricidade.
Vem aí, então, um novo mercado?
Zilmar Souza - Quando concretizada, essa exportação de excedentes promoverá a ampliação da integração do Cone Sul, trazendo mais segurança energética, através de práticas mutuamente benéficas aos países interconectados, tudo com uma energia renovável e sustentável, que é a bioeletricidade.
Crescem as opções de mercado para a eletricidade feita a partir da cana