Entenda por que a biomassa da cana é estratégica para o Brasil garantir a oferta de eletricidade

Por Delcy Mac Cruz

Demanda atual está suprida, mas caso cresça nos próximos anos poderá ser atendida pela matéria-prima do etanol

Créditos de imagem: UNICA/Divulgação

A oferta de energia elétrica no país neste ano está garantida, relata o Operador Nacional do Sistema (ONS), associação civil responsável pela gestão das instalações de geração e transmissão no Sistema Interligado Nacional (SIN).

Mas o que garante essa tranquilidade na oferta?

Há alguns exemplos que apontam nesta direção.

Um deles é balanço do ONS no qual os reservatórios das hidrelétricas - que respondem por 70% de toda eletricidade disponível no SIN - devam fechar julho com armazenagem de 61,2% no Sudeste/Centro-Oeste, sede do principal parque gerador do país. Em 2021, na mesma época, a energia armazenada ficou em 27,6%, o que ajudou a criar uma situação de crise energética.

Outro exemplo, também em relato do ONS, atesta que  simulações “apontam para um pleno atendimento” da demanda de eletricidade até dezembro próximo.

Neste mesmo comunicado, a associação lembra que a partir de setembro haverá necessidade de “despacho térmico adicional ao previsto para atendimento energético.” Em outras palavras, avalia que será preciso acionar termelétricas para ofertar energia e ajudar a suprir o mercado.

É aí que a situação de tranquilidade pode mudar de rumo.

Antes de mais nada, vale lembrar: o ritmo de consumo de energia até dezembro tende a manter-se no atual patamar principalmente pela indústria, principal consumidora de eletricidade.

Mas e se a produção industrial crescer, como, aliás, tem apontado sondagem de meses anteriores da Confederação Nacional da Indústria (CNI)?

Caso isso ocorra, o SIN recorrerá aos tais ‘despachos térmicos’ para garantir a oferta - mesmo que esses custam o dobro do preço da eletricidade de hidrelétrica por serem produzidos a partir de fontes mais caras (além de sujas), caso do óleo combustível, óleo diesel e mesmo do gás.

Tem mais um nó nesta situação.

Como fica a geração nos próximos anos caso o consumo de energia cresça?

No caso, esse crescimento, além de grandes consumidores como a indústria, deve somar outros, como os veículos elétricos.

Aqui vale um parêntese: em recente webinar da UNICA e da Cogen, Raphael Vasquez, executivo do grupo Safira, destacou que hoje o Brasil possui frota de 60 mil carros elétricos.

No entanto, essa frota tende a crescer 10% ao ano e chegar a 5 milhões de carros dentro de oito anos. Para tanto, o impacto na oferta de eletricidade será de 9,400 gigawatts-hora (GWh) por ano.

Como ofertar essa eletricidade extra?

No mesmo webinar, o representante da Safira lista, entre as prioridades, “diversificar a matriz elétrica brasileira com o investimento em energias renováveis.”

Essas energias (eólica, solar e de biomassa) respondem hoje por menos de 30% da matriz elétrica.

Divisão da matriz elétrica:

Créditos de imagem: Divulgação

Potencial da cana

Tome o caso da biomassa e biogás, do qual o bagaço, palha, vinhaça e torta de filtro da cana equivalem a 8,1% da matriz.

Essa participação pode simplesmente triplicar porque, como já divulgado aqui neste espaço pela UNICA, o setor sucroenergético aproveita apenas 15% do potencial de geração de bioeletricidade para a rede.

Se for usado todo o potencial, ele, que foi de 20 mil GWh em 2021, chega a 151 mil GWh.

“Representa mais de duas vezes a geração da Usina de Itaipu e quase cinco vezes a produção da Usina Belo Monte em 2021”, disse ao Energia Que Fala com Você Zilmar Souza, gerente de bioeletricidade da UNICA. 

Não é só. O setor sucroenergético tem plenas condições de ajudar a suprir a oferta de energia no curto prazo - o que não é possível com hidrelétricas, que exigem processo demorado por questões como a ambiental.

Levantamento da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen) indica que o setor sucroenergético poderá adicionar até 15 GW em cogeração em até quatro anos.

Para se ter ideia, esses 15 GW equivalem a 24% dos 64 GW de potência geradora do país, conforme o ONS.

Mais: a oferta adicional pode ser realizada no curto prazo, conforme a Cogen relatou ao Valor, porque cerca de 150 térmicas que utilizam bagaço de cana não exportam energia excedente ao sistema elétrico porque são antigas e precisam de novos investimentos, que adicionariam 11 GW de capacidade instalada.

Além disso, outros 4 GW podem ser gerados por meio do biogás, combustível renovável em alta no momento, e que pode ser obtido por meio da vinhaça e da torta, dois subprodutos da cana.

Vale lembrar que cogeração é a produção simultânea de duas ou mais formas de energia - eletricidade e energia térmica, por exemplo - a partir de um só combustível.

Da capacidade total instalada no país, 60% (12,1 GW) são oriundos da biomassa do bagaço, com 383 usinas em operação - a maioria delas gera e exporta para o sistema elétrico.

A expectativa é que 2,6 GW da fonte entrem em operação no país até 2025, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mas o número poderia quintuplicar se houvesse estímulos para a fonte.

Por fim, como se vê o setor sucroenergético está mais do que pronto para ampliar sua contribuição para a matriz elétrica do país.