Como a decisão da Índia de ampliar a mistura de etanol na gasolina ajuda o Brasil no mercado global

Como a decisão da Índia de ampliar a mistura de etanol na gasolina ajuda o Brasil no mercado global

Governo indiano quer adicionar 20% de biocombustível até 2026

Foto: Freepik / Delcy Mac Cruz

O Brasil pode avançar no mercado global de açúcar com a recente decisão do governo da Índia de misturar 20% de etanol na gasolina até 2026. 

 

Porque essa decisão favorece o Brasil: é que dificilmente os produtores indianos terão como atender a demanda de etanol para suprir os 20%. 

O país, que é o segundo maior fabricante de açúcar depois do Brasil e grande exportador, terá que migrar boa parte da cana para produzir etanol. 

 

Possíveis consequências: com essa migração da cana para fazer etanol, há chance de a oferta interna de açúcar reduzir, o que pode abrir mercado internacional para o adoçante feito no Brasil. 

 

Consequência do etanol: pode ser, também, que a produção indiana do biocombustível não seja suficiente e, assim, poderá ter de adquirir etanol de países como o Brasil. 

 

Decisão do governo

 

É evidente que, em caso de problemas produtivos internos, o governo indiano pode recuar na decisão de ter 20% de etanol na gasolina em 2026. 

Aliás, não é a primeira vez que há recuo. 

A adição de 20%, por exemplo, era para vigorar em 2025, conforme destaca a Unica, entidade do setor sucroenergético brasileiro (leia aqui a respeito). 

 

Como é e era a adição de etanol na Índia: conforme a Unica (leia aqui), até 2014 a mistura era de 1,5% do biocombustível à gasolina vendida em território indiano. Subiu para 10% em 2022. 

 

Projeção dos 20%: se for mantida a projeção divulgada pela entidade do setor sucroenergético, em uma primeira fase 15 cidades serão cobertas pelos 20%, com a expansão progressiva para todo o país até 2026. 

 

Iniciativas para atrair os produtores: hoje, há quase 50 milhões de produtores de cana na Índia que dependem da produção de açúcar, destaca a Unica (leia aqui).

O programa Etanol do governo oferece, assim, alternativas de diversificação de mercado - o que pode atrair esses produtores. 

 

A avaliação de especialistas 

 

O blog Fenasucro apresenta a seguir destaques de especialistas do setor sucroenergético sobre as possibilidades de o Brasil avançar no mercado global com a decisão da Índia. 

 

Os destaques integram divulgação da SCA Brasil (confira aqui):

 

Cássio e Humberto Bellintani Iplinsky, diretores da Usina Rio Verde (GO) - Cássio acaba de regressar de uma viagem à Índia, e o CEO da SCA Brasil, Martinho Seiiti Ono, que visitou o país em fevereiro deste ano, são unânimes: 

 

Baixa tecnologia - “Eles cultivam a cana-de-açúcar como uma horta, em propriedades de meio hectare em média. Plantam couve e até crisântemos no meio da plantação de cana”, conta Cássio Bellintani Iplinsky, explicando a baixa tecnologia que presenciou no campo. 

 

Carro de boi - “O agricultor corta a cana, amarra em um feiche e leva até a usina em um carro de boi. Imagine 500 carros de boi na porta da usina entregando cana. Foi o que vimos por lá”.

 

Contraste - Lembrando sua própria experiência visitando a Índia, Ono citou o contraste entre o campo e a tecnologia em uso nas usinas. “No âmbito industrial, pode haver muita troca de tecnologias e processos, mas na área agrícola o Brasil está anos-luz à frente”, sintetiza. 

 

Decantação - Nesse contexto, Cássio Bellintani Iplinsky citou que ao contrário das usinas brasileiras, as indianas utilizam um método de decantação para recuperar fermento resultando em adubo rico em nutrientes e citou o uso de biogás e calor residual, práticas menos comuns no Brasil, mesmo com as perspectivas de crescimento do biogás.

 

Tecnologia brasileira - “Com essa demanda para o etanol, a Índia quer saber mais sobre a tecnologia do Brasil em relação ao etanol de caldo”, explica Cássio. Vale lembrar que até pouco tempo, o governo indiano não permitia a produção de etanol a partir do caldo de cana, que deveria ser usado exclusivamente para produzir açúcar.

 

Pequenas propriedades - “O modelo agrícola indiano se assemelha ao de alguns países europeus com pequenas propriedades familiares, só que sem tecnologia. Se a Índia conseguir eficiência nesse modelo nos padrões europeus e chineses, é possível que atinja suas metas para etanol no futuro, mas demora um pouco”, complementou Humberto, sem arriscar um prazo.

 

Mercado de açúcar - Para Martinho Ono, o quadro aponta para um mercado internacional de açúcar sem participação da Índia, consolidando a liderança do Brasil.

 

Consumo - “O consumo de açúcar no mundo cresce cerca de dois milhões de toneladas por ano, com 40% desse crescimento na própria Índia. A população jovem está saindo das áreas agrícolas em direção às urbanas, ampliando o consumo de produtos que usam o açúcar”, explica, comentando que qualquer desvio pelo governo indiano da produção de grãos para alimentar a população para a produção de energia é altamente improvável.

 

Desafios - Na troca de impressões sobre a Índia, tanto Ono quanto os irmãos Bellintani Iplinsky constataram que a conjuntura indiana apresenta enormes desafios para aumentar a produção de etanol. 

 

Obstáculos - Equacionar a pouca disponibilidade de terras agricultáveis e investimentos em infraestrutura de produção agrícola e industrial são alguns dos principais obstáculos. Mantido o compromisso do governo indiano com a mistura de 20% de etanol na gasolina, cresce a perspectiva de exportação de etanol brasileiro para a Índia, concluiu Ono.

 

Peculiaridades e conjuntura


Entre os aspectos socioeconômicos e geográficos observados pelos irmãos Bellintani Iplinsky, chama atenção a área da Índia, que equivale a 38% do território brasileiro mas com densidade populacional sete vezes maior. 

O foco principal da atividade do agro visa a segurança alimentar de sua vasta população, superior a 1 bilhão e 400 milhões. 


Por que a Índia aposta no etanol - a matriz energética indiana depende fortemente do carvão, responsável por quase 60% da capacidade de geração elétrica do país. 

A Índia tem grandes reservas de carvão, e a infraestrutura para geração de energia térmica baseada nesta fonte é bem estabelecida, matriz energética antagônica à sustentabilidade que a Índia busca com o aumento da mistura de etanol na gasolina.