Proposta de integração de países latinos abre mercado para a eletricidade feita de cana

Conectar a eletricidade limpa na América Latina está entre as sugestões feitas no Fórum Econômico Mundial

Crédito da imagem: UNICA

A integração dos países da América Latina é estratégica para o desenvolvimento econômico regional e um ingrediente prioritário nessa proposta são as energias limpas.

No Fórum Econômico Mundial, realizado em janeiro em Davos, na Suíça, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reforçou que a estratégia pode ser determinante “para atrair empresas que queiram produzir energia limpa para que suas cadeias produtivas estejam em compasso com as determinações ambientais hoje incontornáveis.”

Mais: a integração dos mercados regionais para ganhos de escala consideráveis “são outro elemento importante para atrair investimentos externos”. 

No tocante à energia elétrica, tais investimentos podem ser exemplificados em produção, transmissão e distribuição. Ou seja, instalar torres de transmissão é viável entre países vizinhos e é preciso investimento para implantar essa estrutura. 

É aí que entra a eletricidade produzida a partir da biomassa de cana-de-açúcar, ou bioeletricidade, considerada de baixo carbono.  

Como assim?

Das 369 usinas de cana em operação, 220 (60% do total) comercializam eletricidade excedente (fora a que usam para consumo próprio).

Mas 140 usinas estão fora desse grupo.

E, assim, elas indicam grande potencial para expandir a geração para a rede [de distribuição] com o retrofit das usinas existentes, além do aproveitamento da palha e do biogás na geração de bioeletricidade.(leia mais a respeito aqui).

Em resumo, com base nos dados da safra 2020/21, o potencial técnico de geração de bioeletricidade para a rede é estimado em 151 mil gigawatts-hora (GWh).

Para se ter ideia, esse potencial representa duas vezes a geração da Usina Itaipu, a maior geradora de energia elétrica do mundo. 

Portanto, boa parte desse potencial todo pode entrar no radar da proposta de integração dos países latinos. 

Mas para entender mais sobre esse assunto e de como está hoje a bioeletricidade, entrevistamos Zilmar de Souza, gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA).

Em que pé está hoje a bioeletricidade? 

Zilmar de Souza - O setor elétrico tem se modernizado nos últimos anos, com o avanço da abertura de mercado e de novas formas de comercialização e fornecimento da energia elétrica. 

Para a bioeletricidade, é importante estar atento a essas oportunidades, para ampliar o leque de opções. 

Entra aí a exportação para países vizinhos? 

Zilmar de Souza - [Sim]. Uma dessas novas maneiras poderá ser a exportação de energia elétrica destinada a países vizinhos interconectados eletricamente com o Brasil, que vai nessa linha de ampliar o leque de opções de comercialização e oportunidades para a bioeletricidade. 

O que é preciso fazer?

Zilmar de Souza - Quando forem promovidos os ajustes regulatórios necessários, a exportação de excedentes ao Uruguai e Argentina poderá representar mais uma forma de comercialização a ser avaliada nesses projetos de bioeletricidade.

E, quando concretizada, promoverá a ampliação da integração do Cone Sul, trazendo mais segurança energética, através de práticas mutuamente benéficas aos países interconectados, tudo com uma energia renovável e sustentável, que é a bioeletricidade.

O Brasil possui conexões de eletricidade com países vizinhos?

Zilmar de Souza - As principais conexões internacionais de energia elétrica entre o Brasil e os países vizinhos da América do Sul estão, destacadamente, com o Uruguai, a Argentina, o Paraguai e a Venezuela.

Como estamos em termos de regulamentão?

Zilmar de Souza - Na prática, precisamos de aprimoramentos regulatórios para estimular a exportação de bioeletricidade para países vizinhos. Em 2019, a Portaria MME nº 418 permitiu que usinas termelétricas disponíveis para atendimento do Sistema Interligado Nacional (SIN), e não utilizadas do ponto de vista energético pelo Brasil, possam produzir energia destinada à exportação, estimulando algumas exportações desde então, principalmente Uruguai e Argentina. 

Então já temos regulamentação?

Zilmar de Souza - As diretrizes de exportação estabelecidas pela Portaria MME 418 têm validade até 31 de março de 2023. Portanto, agora é o momento ideal para aprimorá-las e criar condições regulatórias para estimular a exportação de excedentes pelas fontes renováveis aos países vizinhos. 

O que tem sido feito a respeito?

Zilmar de Souza - Recentemente, o Ministério de Minas e Energia (MME) abriu uma Consulta Pública para discutir a reedição como está da Portaria 418 (Consulta Pública nº 144/2022), seu aprimoramento  ou até a restrição à exportação de energia elétrica. 

A UNICA participou da Consulta?

Zilmar de Souza - [Sim]. A UNICA apresentou as seguintes contribuições principais: 

(i) defendemos o aprimoramento das diretrizes de exportação de energia elétrica e não sua restrição; 

(ii) permitir a exportação de excedentes de energia pelas usinas à biomassa em valores superiores à garantia física mensal (limite que vendo localmente, em contratos) e advindos de usinas que não são despachadas centralizadamente pelo Operador Nacional do Sistema

(iii) considerar a exportação de energia diretamente pelas geradoras em mecanismos de mercado, em negociações bilaterais diretas e sem encargos setoriais que não tenham justificativa técnica e acabam inibindo a atividade de exportação ; e

(iv) considerar volumes mensais na programação da exportação e não apenas diários, possibilitando o planejamento por parte das usinas à biomassa.

Se a proposta for viabilizada, será preciso, por exemplo, financiamento público via, por exemplo, o BNDES? 

Zilmar de Souza - Sim, o financiamento é sempre importante na equação econômico-financeira dos projetos.

Quanto custa em média implantar um megawatt? 

Zilmar de Souza - A Associação não tem levantamento sobre o tema, até por conta da heterogeneidade dos projetos de cogeração existentes.

 

[Este blog apurou junto a Empresa de Pesquisa Energética - EPE -, do MME, que em média a implantação do megawatt de biomassa de cana custa entre R$ 20 mil a R$ 55 mil - leia aqui]

Hoje, a cogeração por biomassa de cana ‘vende’ por meio de leilões públicos, nos quais essa fonte concorre com outras mais competitivas em termos de investimentos. O que fazer? 

Zilmar de Souza - É importante estabelecermos uma política setorial estimulante e de longo prazo para a bioeletricidade e o biogás. Tal política setorial deve primar por diretrizes básicas envolvendo o esforço conjunto de agentes públicos e privados, dentre elas:

 

1 - Avançar com a instituição de mecanismos, nos mercados regulado e livre, que valorizem os atributos locacionais, elétricos, confiabilidade, ambientais, econômicos e sociais advindos do uso da bioeletricidade e do biogás.

 

2 - Continuar fortalecendo o mercado livre, estimulando mecanismos para viabilizar projetos, incluindo financiamento, a segurança de mercado, uma formação de preços mais crível no Mercado de Curto Prazo (MCP) e a efetiva regularização do pagamento mensal dos créditos devidos aos geradores de bioeletricidade naquele Mercado.

 

3 - Mitigação da dificuldade de conexão às redes elétricas, estabelecendo soluções estruturadas de médio e longo prazo concatenadas com o planejamento setorial.

 

4 - Estabelecer nos instrumentos de planejamento setorial uma visão estruturante e integrada da bioeletricidade com os demais produtos da cana-de-açúcar na matriz de energia do país (etanol, biogás e biometano).